Não é exagero afirmar que, sobretudo ao longo da última década, o sistema financeiro nacional tem vivenciado um profundo movimento de disrupção que traz benefícios nas mais diversas frentes: da democratização no acesso a serviços a avanços regulatórios que hoje colocam o Brasil como um dos países mais inovadores do planeta no âmbito da estrutura de seu mercado.
Pensando, por exemplo, na questão regulatória, desde 2013, o Banco Central tem imprimido uma série de esforços para tornar o sistema financeiro do país mais aberto e flexível, permitindo a adesão de novos entrantes – incluindo companhias de outros segmentos, como o varejo – e, concomitantemente, contribuindo para maiores níveis de competitividade e mais acesso a serviços para novos consumidores e empresas.
Um dos frutos dessa iniciativa arrojada se traduz no Open Finance, por meio do qual o compartilhamento de informações financeiras – sempre com consentimento dos clientes – entre instituições torna-se mais ágil, facilitando processos como a movimentação entre contas, o encaminhamento de propostas de crédito e o surgimento de novos modelos de negócio pautado pelas oportunidades de abertura do sistema.
E uma série de benefícios concretos já foram colhidos nessa jornada: como exemplos evidentes temos o PIX (que já é mais utilizado que o dinheiro no país, segundo estudo da McKinsey de 2023); a supracitada democratização de nosso sistema financeiro (já em 2020, a Mastercard observou uma redução de 73% no número de pessoas que não utilizavam serviços financeiros); e o crescimento exponencial do ecossistema de fintechs, principal pilar do mercado de startups brasileiro e que, segundo a Distrito, já conta 1.476 negócios digitais.
Todo esse cenário contribuiu diretamente ainda para um maior dinamismo de um sistema historicamente reconhecido por sua centralização e tem, entre seus motores, a tendência do embedded finance (finanças embutidas) que, de modo objetivo, consiste, justamente, na oferta de serviços como crédito, seguros e contas de pagamento, por empresas não advindas do mercado financeiro tradicional (hoje, o país já conta com cases de sucesso sobretudo em segmentos como o e-commerce e o varejo físico).
Nesse sentido, um estudo da Deloitte apontou um potencial de ganho de receita de R$ 23 bi/ano nos setores de varejo, bens de consumo e outros serviços a partir da tendência do embedded finance no Brasil.
E a grande disrupção dentro de todo esse contexto passa pelo fato de que, se antes, as empresas dependiam de parcerias com instituições financeiras para a oferta de tais serviços, nesse novo panorama – definido por muitos especialistas como Finanças 4.0 – é possível incorporar APIs de fintechs e um varejista pode se habilitar como correspondente bancário, sem necessariamente depender de uma infraestrutura tecnológica complexa e abraçando essa tendência com agilidade.
Além dos ganhos potenciais supracitados em geração de receita, há outras oportunidades que se abrem para o varejo e empresas de modo geral a partir do embedded finance:
• Ampliação da base de clientes a partir da oferta de serviços como o crédito para públicos que, hoje, enfrentam dificuldades em acessar produtos no mercado bancário tradicional – a Deloitte estima, nesse sentido, que a oferta de crédito no país alcance R$ 83 bilhões graças ao embedded finance e com maior foco na classe C e PMEs;
• Diversificação do portfólio de produtos/serviços no varejo;
• Maior competitividade para o sistema financeiro nacional como um todo;
• Melhoria da experiência do cliente e maior potencial de fidelização mediante o vínculo com serviços de longo prazo;
• Inovação no modelo de negócio das empresas;
• E, quando somamos o embedded finance à concessão de financiamentos por meio de capital próprio da empresa, as organizações podem ainda ampliar a sua base de faturamento com a receita dos juros de cada operação.
Tudo isso, com a liberdade plena para analisar dados e aprovar clientes de acordo com suas políticas de crédito e por meio de uma infraestrutura de securitização que traz mais segurança e reduz consideravelmente os custos tributários das empresas.
Sim, e todas essas oportunidades, como vimos, atualmente podem ser acessadas sem que haja a dependência de parcerias de alto custo com instituições, a partir da possibilidade de bancarização impulsionada pelo ecossistema de fintechs. E o varejo, de modo positivo, está de olho nessa tendência: segundo relatório da Mambu, até 2030, nada menos que metade do mercado de embedded finance será representado por empresas varejistas.
É possível inferir ainda que uma parte considerável desse novo ambiente será impulsionado pelo uso de APIs de fintechs (e, ato contínuo, a partir do uso de capital próprio na oferta de serviços financeiros). Sobre esse ponto, uma reportagem da Liga Ventures apontou que, já em 2019, 76% das empresas pretendiam aumentar os investimentos em APIs, com foco principal no aumento da oferta de valor em produtos e serviços.
Em outras palavras: estamos falando de um contexto financeiro em que a independência é não só uma alternativa, mas pode, literalmente, contribuir para o fortalecimento de negócios atentos às tendências disruptivas do mercado.
Cabe às lideranças, por fim, se atentar a esse cenário aberto pelo embedded finance, um dos principais alicerces da mudança disruptiva que coloca o Brasil como um dos principais protagonistas da inovação financeira global.
(*) – É Founder e CEO da Giro.Tech (https://giro.tech/).