Segundo estudo do Ministério do Meio Ambiente, em 2008 o Brasil possuía 12% de toda água doce do planeta. Por mais que esse número impressione, o mito da riqueza hidrográfica do Brasil precisa ser reexaminado. Estudo do instituto de pesquisas Mapbiomas de janeiro de 2021 mostra que cerca de 15% da superfície de água do país secou nos últimos 30 anos. Em 1991, a superfície coberta por água era de 19,7 milhões de hectares. Em 2020, esse espaço baixou a 16,6 milhões de hectares. Não bastasse esse fato, a água que é efetivamente tratada e distribuída sofre desperdícios constantes. Relatório do Instituto Trata Brasil mostra que, nos primeiros seis meses de 2022, 40% de toda água potável captada foi perdida. Na região Norte, esse índice é mais alto: 51% de toda água produzida escorre pelas falhas dos sistemas de tratamento e distribuição de água.
De acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA), dos 5.570 municípios brasileiros, somente 2007 cidades contam simultaneamente com Estações de Tratamento de Água (ETA) – plantas que tratam a água antes de seu consumo – e Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), unidades dedicadas ao tratamento de efluentes industriais e domésticos. Há, ainda, um déficit de Estações de Tratamento de Água de Reúso (ETARs), voltadas para o reaproveitamento, em aplicações industriais, de água produzida por ETEs. Estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) do início de 2022 indica que a região Sudeste contava com somente 16 ETARs em operação.
O outro lado desse quadro é que, segundo relatório de 2018 da Confederação Nacional da Indústria, até 2030, o uso de água no Brasil deverá aumentar em 24%, superando a marca de 2,5 milhões de litros por segundo. Para evitar o caos, foi aprovado pelo Senado brasileiro, em junho de 2020, o novo Marco Legal do Saneamento Básico. A nova norma impõe que, até 2033, mais de 90% da população brasileira terá de contar com fornecimento de água potável e com serviços de esgoto. Em 2020, a média nacional de atendimento da população com sistemas de tratamento de água e de esgoto era de 46,5%, o equivalente a 82,1 milhões de pessoas (dado Agência Nacional de Águas e Saneamento).
Visão preditiva sobre as falhas no saneamento básico
A superação desse quadro exige uma profunda transformação do setor de saneamento básico brasileiro. Essa jornada inclui a disseminação de soluções de TI que oferecem uma visão preditiva sobre possíveis falhas, permitindo que correções sejam feitas antes da perda de água acontecer.
A moderna planta de tratamento de água é um ambiente industrial (OT, Operation Technology) que trabalha 24×7 em prol da otimização da produção e distribuição de recursos hídricos. Nesse modelo, plantas ETA, ETE ou ETAR contam com milhares de sensores IIoT (IoT Industrial) implementados em campo e dedicados às mais diversas funções. Cada sensor é um instrumento de medição de fatores como o pH da água, a temperatura da água, a velocidade de vazão da água, as condições físicas das paredes dos reservatórios e tubos, o nível da água no reservatório e na tubulação, o estado de funcionamento de filtros e bombas de água etc.
Para que a excelência em gestão de recursos hídricos seja atingida, é fundamental integrar em uma única interface de monitoramento informações precisas sobre o universo OT/IoT e, também, as áreas de TI da empresa de saneamento. A meta é obter, ao mesmo tempo, uma visão do todo – e um todo alinhado com as plataformas administrativas e comerciais da empresa – e, quando for necessário, chegar ao detalhe do funcionamento de uma bomba de água. Outro diferencial dessa abordagem é a certeza de que alertas serão disparados imediatamente em caso de falhas ou de previsão de falhas, com mensagens sendo enviadas para uma lista de responsáveis, de modo hierárquico.
Estratégias como essas contribuirão para a empresa de saneamento construir evidências de seu alinhamento ao modelo ESG (Environment, Social e Governance), algo cada vez mais críticos para os negócios.
Há organizações que já estão trilhando esse caminho
Potable Water and Sewerage Board of Yucatán/SE3 – Com ajuda dos serviços da consultoria especializada em automação industrial SE3, os gestores da Potable Water and Sewerage Board de Yucatán (departamento de água potável e esgotos da província de Yucatan, no México) implementaram uma solução de monitoramento que gera uma visão preditiva e integrada sobre o heterogêneo ambiente da empresa. Graças a essa solução, foi possível identificar que uma das origens das falhas que aconteciam era o uso de equipamentos eletrônicos, elétricos e mecânicos vulneráveis à água. Isso causava inúmeros incidentes, demandando muita manutenção. Outra conquista foi o acesso a indicadores precisos sobre tudo o que se passa nas plantas de tratamento de água e de esgoto dessa empresa de saneamento.
Aquafin – Essa empresa holandesa de saneamento de água e de tratamento de esgotos conta com uma solução de monitoração para controlar o que está se passando em suas 2.000 estações de fornecimento de água e 318 estações de tratamento de esgotos. Uma das aplicações mais críticas é a geração de alertas sobre água já utilizada e descartada indevidamente em rios. Por lei, a Aquafin tem 15 minutos para reportar esse fato à Flemish Environmental Society. A empresa usa 30 mil sensores de monitoração em seus ambientes.
Kennedy Industries – Essa organização fornece a várias empresas de saneamento de água do estado de Michigan, EUA, dispositivos como bombas, válvulas, sistemas de controle e serviços especializados. A Kennedy Industries utiliza soluções de monitoramento para manter seus equipamentos implementados em estações de tratamento de água funcionando de forma contínua. Os dados coletados online e em tempo real são apresentados em dashboards construídos pela Kennedy Industries para cada uma das empresas de tratamento de água que utilizam suas soluções. Esses painéis de controle informam o status dos ambientes, gerando de forma preditiva alertas que podem evitar problemas como aquecimento de bombas de água ou inundação de instalações.
A água é um tesouro. Reinventar as empresas de saneamento básico é essencial para preservar o presente e o futuro do país. A qualidade de vida de toda a população brasileira depende de que esse setor se digitalize plenamente, otimizando o uso de um recurso cada vez mais escasso.
*Luis Arís é Gerente de Desenvolvimento de Negócios da Paessler LATAM.