Ariadne Velosa (*)
A pandemia tem feito estragos em muitos setores.
Temos acompanhado o fechamento de diversas empresas, a aceleração do desemprego e, consequentemente, uma busca cada vez maior pela Justiça do Trabalho. Segundo dados do TST, tivemos 1.161.417 ações em 2020. Dessas, 86.058 tem causa direta com a Covid-19. Entre as principais, estão os pedidos de verbas rescisórias, questões ligadas ao fornecimento inadequado de equipamentos de proteção individual, regras de home-office e redução da multa de 40% do FGTS.
Cabe destacar que 43.820 – o equivalente a mais de 50% das ações ligadas ao Covid – são relativas a horas extras. Antevendo os problemas, logo no início da pandemia, foi aprovada a MP que dispunha de medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública, visando fornecer orientações específicas dada a situação emergencial. Além dos cuidados básicos individuais, como o fornecimento de álcool em gel, luvas e máscaras, foi necessário possibilitar maneiras de o trabalhador evitar o transporte público.
Nesse contexto, o home-office ganhou força, em especial entre trabalhadores do meio administrativo. O tema já vinha sendo elucidado pela Justiça do Trabalho desde a reforma trabalhista, em 2017. Ainda assim, muitas dúvidas surgiram, em especial sobre quem deveria pagar as despesas extras com energia elétrica e internet e sobre os cuidados relacionados à saúde ocupacional, visto que muitos não dispõe de uma boa infraestrutura ergonômica para trabalhar em casa.
Com tantos questionamentos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) divulgou, em outubro, uma nota técnica com 17 práticas recomendáveis em relação ao teletrabalho. De acordo com a nota, os trabalhadores precisam ser instruídos a fim de evitar doenças físicas, mentais e acidentes de trabalho, bem como adotar medidas de segurança, como intervalos e exercícios laborais. Na prática, cada um tem seus direitos e deveres.
Outro ponto que gerou preocupação foi quando o STF eliminou um trecho da MP que definia que casos de infecção por Covid-19 não seriam considerados como doenças ocupacionais. Se antes a medida prejudicava trabalhadores diante da impossibilidade de comprovar a contaminação no ambiente de trabalho, a suspensão do trecho preocupou as empresas, que seriam totalmente responsabilizadas pelos casos de contaminação.
Apesar de abrir margem para que todos os colaboradores em atividade presenciais que desenvolvessem a doença pudessem se utilizar da lei para responsabilizar a empresa por sua enfermidade, a constatação depende de uma avaliação do INSS que comprove que o ambiente de trabalho realmente ofereceu risco para as equipes. Em fevereiro, eis que surge um novo imbróglio jurídico. O MPT estabeleceu que os trabalhadores que se recusarem a tomar a vacina contra a covid-19, sem justificativa médica, podem ser demitidos por justa causa.
O caso, obviamente, está gerando polêmica. Afinal, o artigo 7º da Constituição diz que o bem coletivo está acima do direito individual. No entanto, o artigo 5º garante a liberdade individual de cada cidadão. Juristas estão divididos e, esse é um debate que deve se acentuar quando finalmente chegar o momento de vacinar pessoas em idade economicamente ativa.
Na prática, os problemas ainda estão apenas começando, haja vista que o trabalhador tem até dois anos para reclamar seus direitos na Justiça do Trabalho. Nesse momento, cabe às empresas tomar as medidas cabíveis e sempre criar registros de suas ações. Com o tempo, a tendência é que o volume de processos aumente de forma cada vez mais expressiva. É preciso se preparar.
(*) – É advogada do Escritório Marcos Martins Advogados (www.marcosmartins.adv.br).