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Discursos não mudam comportamentos

em Opinião
sexta-feira, 06 de agosto de 2021

Leandro Franz (*)

Spinoza é conhecido como o filósofo dos afetos, tendo dissecado dezenas deles (amor, ódio, melancolia, ciúme, soberba, inveja, desejo etc.).

Viveu em Amsterdã no século 17, morreu aos 44 anos com uma obra imensa escrita e teve Einstein como seu seguidor mais famoso. Portanto, dispensa apresentações mais longas e podemos ir direto para os seus ensinamentos. Um grande aprendizado de sua filosofia que pode ser trazido para o mundo corporativo é que apenas um afeto mais forte nos “liberta” de outros afetos.

Se você tem tido dificuldade em transformações culturais ou mudança de comportamentos na equipe, analise se é possível fazer diferente. Por exemplo, muitas vezes, um time comercial não segue os processos ou políticas definidas, e os gestores passam anos tentando em reuniões estressantes mudar esses comportamentos, buscando maior controle de rotinas, disciplina na execução, planejamento, mas discursos não mudam comportamentos. O que está na raiz dessa “desorganização”?

Um dos maiores afetos que move qualquer comercial é sua busca em bater metas. Está na natureza deste perfil e é o que aumenta a potência de sua atuação. Um bom comercial vai dormir pensando em como bater a meta do dia seguinte, acorda planejando como realizar mais negócios e vira o mês comemorando ou não se conseguiu.

Seu maior afeto é celebrar uma venda. Ele foi contratado para isso. Vender e estar com clientes sempre será sua prioridade em relação a preencher planilhas de controles, seguir processos burocráticos ou detalhar entediantes planos de ação anuais.

Discursos de conscientização (“sigam nossos processos, respeitem a política comercial”, “preencham o planejamento” etc.) nunca serão priorizados, não afetam comportamentos. Se um bom vendedor tiver um dilema de usar tempo para vender mais ou preencher planilhas, priorizará sempre o primeiro.

É de sua natureza, é seu afeto mais forte. Organizações inteligentes e que entendem esse ensinamento de Spinoza buscarão agir na raiz do problema, tentarão modificar o afeto por meio de outro mais intenso. Como são construídas as metas de sua empresa?

Focam apenas no volume de vendas ou são balanceadas por outros indicadores estruturantes? É possível balancear com metas de aderência a processos? Indicadores de dispersão de descontos ou aderência à política comercial estão incluídos? A calendarização das vendas respeita a sazonalidade do negócio ou incentiva a “adiantamentos” artificiais de receita para todo final de trimestre? Os vendedores são celebrados por bater o orçamento de qualquer maneira?

Por fim, avançando ainda mais para a causa-raiz das “vendas de baixa qualidade”, como seu orçamento é construído? Ele se divide de maneira realista para cada comercial? Está de acordo com um potencial alcançável de receita para cada região de atuação?

Muitas vezes, já na definição das metas, números inviáveis (famoso top down) são estabelecidos e, desde o início, direcionam comportamentos e táticas comerciais que desviam das políticas e processos buscados pelas organizações.
Segundo Spinoza, “fica evidente que somos agitados pelas causas exteriores de muitas maneiras e que, como ondas do mar agitadas por ventos contrários, somos jogados de um lado para o outro”.

As metas são as ondas mais fortes que afetam o comportamento da equipe comercial. Nenhum workshop ou discurso de conscientização atingirá esses comportamentos se outros afetos mais fortes não forem valorizados no dia a dia do seu time. E uma maneira de fazer isso é repensar rituais de gestão e reconstruir indicadores e metas mais adequados aos desafios da organização.

Na próxima vez em que você verificar comportamentos desalinhados em sua equipe, analise com maior profundidade quais as reais causas desse cenário. Reclamar do time, demitir em massa ou fazer discursos de conscientização nunca são as melhores respostas.

Mude sua estratégia e analise como redirecionar os afetos. Spinoza e Einstein agradecem.

(*) – Mestre em Economia, com especialização em Teoria dos Jogos pelo Insper e economista pela UFSC, é consultor da People+Strategy (www.peoplestrategy.com.br).