80% dos alunos entre 13 e 15 anos já consumiram alguma substância psicoativa
Para psicólogo, caso de 5% desses jovens é preocupante: além do consumo não ser apenas experimental, outras dificuldades podem impactar de forma negativa no próprio desenvolvimento
Usuários de drogas pesadas apresentaram maior prevalência de problemas de saúde física e mental que os demais grupos e, além disso, estiveram envolvidos em casos de violência com maior frequência. Foto: Universia
Tainá Lourenço/Jornal da USP
Num universo com cerca de 7 mil estudantes do nono ano do ensino fundamental, com idades entre 13 e 15 anos, mais de 80% já consumiram algum tipo de substância psicoativa. É o que revela uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
Segundo os pesquisadores, nesta fase é muito comum adolescentes experimentarem essas substâncias; porém, destacam, existe preocupação com jovens que, além de consumirem mais frequentemente e em maior quantidade, apresentam problemas de saúde física e mental e que estiveram envolvidos em casos de violência física e sexual.
O trabalho Uso de substância e envolvimento em situações de violência: um estudo tipológico em amostra brasileira, do Grupo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento e Intervenção Psicossocial (GEPDIP) foi feito a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar realizada pelo IBGE, em parceria com os Ministérios da Saúde e da Educação em 2015.
Estudo está entre os dez classificados para premiação no 19º World Congress of Criminology. Foto: Arte sobre foto Wikipedia
Essa pesquisa contou com a participação de mais de 100 mil alunos brasileiros do nono ano de escolas públicas e privadas de áreas urbanas e rurais em todo o País. Essa é a primeira vez que essa pesquisa nacional é analisada de forma sistemática, levando em consideração o envolvimento dos adolescentes com casos de violência e problemas da saúde.
“Nós trabalhamos com uma subamostra de 6.702 adolescentes que responderam todas as questões relacionadas ao uso de substâncias”, revela o psicólogo André Vilela Komatsu, um dos autores da pesquisa.
Esses estudantes foram classificados em cinco grupos: abstencionistas, experimentadores de álcool, usuários de drogas convencionais, usuários de múltiplas substâncias e usuários de drogas pesadas.
Os dois grupos com menor uso de substâncias foram os que apresentaram menos problemas de saúde e envolvimento em violência; este é o caso dos abstencionistas, 18% dos alunos que não consomem nenhum tipo de substância, e também dos experimentadores de álcool, 26%, que em geral fizeram uso apenas de álcool.
Em contrapartida, usuários de drogas convencionais, que utilizam ou álcool e tabaco ou álcool e maconha, 28%, e os que consomem múltiplas substâncias – álcool, tabaco e maconha – 23%, estiveram envolvidos em casos de violência, mas não apresentaram nenhum tipo de problema de saúde.
Foto: Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Alunos em risco pessoal e social
Já os usuários de drogas pesadas, 5%, que consomem álcool, tabaco, maconha e crack com frequência e de forma acentuada, apresentaram maior prevalência de problemas de saúde física e mental que os demais grupos e, além disso, estiveram envolvidos em casos de violência com maior frequência, inclusive em casos de vitimização por abuso sexual.
Segundo Komatsu, o caso desses 5% de jovens é preocupante, pois além de o consumo não ser apenas experimental, como é o caso dos outros alunos, as dificuldades que podem aparecer durante essa fase impactam de forma negativa no próprio desenvolvimento. “São questões que, se não forem resolvidas agora, vão custar muito mais caro lá na frente, tanto para os jovens quanto para a sociedade.”
A solução, propõe, é criar mecanismos capazes de identificar a problemática já em seus primeiros sinais, por intermédio da capacitação da equipe escolar para “escutas acolhedoras, rastreamento de problemas relacionados ao abuso de substâncias e para violência contra crianças e adolescentes”.
O psicólogo afirma ainda que outro ponto a ser explorado é o aumento de oportunidades de lazer e cultura. Diz que, se os jovens tiverem opção de atividades estimulantes para a fase de desenvolvimento em que se encontram, ‘‘tenderão a investir mais tempo nessas atividades e, consequentemente, irão se expor menos a situações de risco para se envolverem com atividades ilícitas”.
É o aluno que abandona a escola ou é a escola que abandona o aluno?
Artigo da psicanalista Roselene Gurski discute a relação entre ambiente escolar e jovens marginalizados
Em conflitos por atos ilícitos que os colocam na marginalidade, excluídos da educação brasileira idealizada, muitos adolescentes não conseguem acompanhar o ritmo de aprendizagem na escola. “Ao não serem sonhados como sujeitos educáveis e escolarizáveis, apresentamos-lhes, enquanto sociedade, o que eles verbalizam: suas vidas se reduzem a matar ou morrer, ou seja, se encontram com o real da morte“. Assim, escola “é um um lugar complicado, um real não simbolizado em suas vidas“, afirma a psicanalista Roselene Gurski no artigo “Educa-me ou te mato!“, publicado na revista Estilos da Clínica. O título, na verdade, é uma simbologia do pedido de socorro dos jovens nessa situação, também denominados de jovens infratores.
Foto: Pixabay /CC0
Autora e também os leitores querem saber: “Por que os adolescentes não param na escola? O que a sociedade fez ou deixou de fazer para que esses jovens não colem na escola e não se interessem pelo crime? Por que se fixam no tráfico e não nos bancos escolares?“. Mas “dona, eu não abandonei a escola, foi ela que me abandonou”, respondem os jovens. A pesquisadora, experiente no tema violência juvenil, discute sobre intermediações com grupos de adolescentes nas periferias de Porto Alegre, contando sobre as rodas de conversa e as rodas onde há interação com música e poesia, em que os jovens expressam a brutalidade das ruas que não permite a eles sequer pensarem, pois, nessa realidade, “é matar ou morrer”.
A autora cita as reflexões do educador Paulo Freire sobre a questão: “não eram os jovens que se retiravam da escola, mas a escola, com sua configuração e cultura intolerantes com as diferenças de todas as ordens, raciais, sociais, cognitivas e outras, que os expulsava da educação formal“. Nessa “pesquisa-intervenção“, a pesquisadora aponta uma contradição revelada pelos jovens em relação à aprendizagem formal, visto que, em um momento, veem a escola como “uma ponte, uma porta para o futuro” e, em outro momento, a universidade se torna “algo muito distante e mesmo inalcançável“, tendo-se em mente que o único futuro desses adolescentes se resume em “matar ou morrer”.
Destaca-se que a maioria dos jovens em “privação de liberdade” tem entre 16 e 18 anos, e que os atos infracionais dos mesmos, geralmente, não são os mais graves. Do ato infracional para a morte – é o destino de muitos adolescentes da periferia, principalmente dos jovens negros brasileiros. Em nosso país, 2,5 milhões de crianças e jovens estão fora da escola, e “muitos, depois de repetirem vários anos na escola, ao chegarem à adolescência, acabaram virando estatísticas de evasão“. O artigo chama a atenção para o fato de uma das causas dessa marginalidade ser a busca de uma resposta rápida, cujo fim seria preencher o vazio interior de alguém que vive em meio aos preconceitos, ao abandono e à pobreza; tais condições conduziriam os jovens a agarrarem-se, por carências de toda a espécie, à figura do chefe do tráfico, por exemplo.
O artigo mostra a fala reveladora de um adolescente sobre a ausência de estímulo emocional dos pais, no documentário Nunca me sonharam, de Cacau Rhoden: “Nunca me sonharam psicólogo, nunca me sonharam sendo um professor, um médico. Eles não sonhavam e não me ensinaram a sonhar”- aqui o rapaz se refere à ausência de um lugar simbólico para os jovens da periferia nos sonhos da nação. Nesse contexto, ressalta-se a importância da construção de expectativas de vida, e não de morte, para que os jovens não devolvam ao país, “com seus atos infracionais, o real que recebem como simbólico: Educa-me ou te mato!“, mas sim a expectativa de um futuro que trafegue fora das margens sociais, rumo à estrada por onde se avistem caminhos de inclusão social, política, cultural e, principalmente, educacional.
Roselene Gurski – Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), professora do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, e pesquisadora-colaboradora do Instituto de Psicologia da USP.