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Uma nanica audaciosa: uma empresa brasileira enfrentou a Apple (e perdeu…)

em Tecnologia
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Em 1984 o governo federal implementou a Política Nacional de Informática, que com o objetivo de incentivar a fabricação nacional, proibia a importação de microcomputadores. Os projetos de fabricação deveriam ser analisados e aprovados pela SEI – Secretaria Especial de Informática, órgão que tinha status de ministério.

Vivaldo José Breternitz (*)

O resultado foi lamentável: micros passaram a ser montados aqui com componentes contrabandeados, pouquíssimo aconteceu em termos de desenvolvimento tecnológico e de pessoal e as empresas usuárias pagavam caro por equipamentos de qualidade duvidosa. Surgiram expressões novas, como “mercado cinza” e “executivo de fronteira”, para designar esse ambiente e os que nele operavam.

Nesse cenário, a Unitron, uma empresa brasileira, tentou uma jogada audaciosa: clonar o Macintosh, à época o mais poderoso micro da Apple e que era conhecido como Fat Mac.

Baseada em engenharia reversa (que poderíamos chamar simplesmente de cópia), a empresa    apresentou à SEI em 1985 um projeto visando a produzir um clone do Fat Mac, que chamaria de Mac 512.

Obteve uma linha de crédito, o apoio de um laboratório governamental (o CTI — Centro de Tecnologia da Informação) e contratou serviços de desenvolvimento de chips no exterior. 

Nesse mesmo ano de 1985, dois protótipos foram exibidos no stand da Unitron na Feira Nacional de Informática. Como o projeto havia começado havia pouquíssimo tempo, suspeita-se que uma das máquinas exibidas ao público (a uma distância segura), e que executava vários programas para o Macintosh, era na verdade um Mac original, e não um clone. A outra máquina, desligada e aberta para que suas partes internas pudessem ser vistas pelo público, provavelmente era mesmo um protótipo.

Em 1986, na mesma Feira Nacional de Informática, a Unitron exibiu mais protótipos, e parecia óbvio que havia conseguido reproduzir o Macintosh. Na época, a Unitron queixava-se de que a SEI estava dificultando a importação dos drives de disquetes de 3” 1/2 e exigia que em vez deles, fossem usados os obsoletos drives de 5” 1/4 fabricados no Brasil.

A Unitron recusou-se a acatar a orientação e decidiu ela mesma fabricar os drives, uma verdadeira proeza para uma empresa da periferia paulistana com menos de 100 empregados; fica a dúvida: será que fabricou ou acionou «executivos de fronteira»?

Em 1987, a Unitron já oferecia suas máquinas ao mercado; o preço era 700 OTN, cerca de R$ 80 mil de hoje (era tempo de inflação alta e usavam-se índices para converter diariamente os preços à moeda corrente).

Nessa época, a Apple Computer decidiu que a história já havia ido longe demais e resolveu contra-atacar: dois Mac 512 (obtidos não se sabe bem como) foram levados para a sede da empresa, nos Estados Unidos e desmontados para estudo. As semelhanças entre essa máquina e a Fat Mac deu à Apple um forte argumento para fazer com que o governo dos Estados Unidos se posicionasse contra uma empresa “pirata”.

Por pressão do governo americano, que ameaçou impor barreiras aos produtos de exportação brasileiros (particularmente suco de laranja e sapatos), em 1988 a SEI indeferiu definitivamente o projeto do Mac 512, alegando que “a Unitron havia começado a comercialização do produto antes de sua aprovação final”. 

A Unitron continuou a lutar apresentando novos projetos e indo à Justiça, mas acabou derrotada; reduziu o quadro de funcionários e passou a se dedicar à fabricação de outros produtos. 

(*) É Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas.