Eu estava esses dias no supermercado, quando me lembrei, no meio do corredor de produtos de higiene e beleza, que a minha lâmina de barbear precisava ser trocada. Fui atraída por uma lâmina rosa, que prometia muitas coisas interessantes para minha pele.
Mariana Munis (*)
Já em casa, empolgada para usar minha nova aquisição, qual foi minha surpresa ao reparar que a lâmina de barbear não tinha nada de diferente da que eu já costumava usar e acabei pagando mais caro por isso, só porque o produto era rosa, com uns claims (argumentos de vendas) diferenciados. Nesse exato momento, coloquei-me a refletir: será que alguns produtos têm a necessidade de serem separados por gênero? Foi aí que descobri um conceito denominado Pink Tax ou Taxa Rosa: prática do mercado que tende a cobrar mais caro para produtos específicos para mulheres. A taxa rosa não se trata de um imposto, mas sim de uma cobrança maior para produtos destinados ao gênero feminino, que possuem apenas pequenas alterações, ou simplesmente embalagens específicas para mulheres. E ela atinge todas as mulheres, independente da faixa etária e classe social.
Pois é: pagamos mais por produtos destinados ao público feminino, mas ganhamos menos. De acordo com estudo da pesquisadora economista Laísa Rachter, comparando a presença de mulheres e os salários médios praticados no mercado de trabalho de todo o país desde 1970, com base nos dados do Censo, entre 1970 e 2010, e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), em 2020, mulheres ganharam 19% menos que homens, no mesmo cargo, e em cargos estratégicos, a diferença pode chegar até a mais de 30%.
Um estudo efetuado pelo Departamento de Consumo de Nova York averiguou que as mulheres pagam, em alguns casos, até duas vezes mais do que o mesmo produto feito para homens.
Ao todo, comparou-se 800 itens de 90 marcas diferentes em 24 lojas da cidade. O resultado: mulheres chegam a pagar até 7% a mais do que os homens em itens básicos. Na categoria higiene pessoal, a diferença é ainda maior, chegando a 13%.
Mas por que isso ocorre? Encontrei uma explicação em um dos estudos do professor Fábio Mariano Borges, o qual alega que, historicamente, o homem não costumava ir ao varejo, e para atraí-lo, os donos da loja cobravam mais barato. O pior de tudo é que não há uma lei que impeça a cobrança diferente de preços nos produtos direcionados às mulheres ou aos homens.
Nós, consumidoras, precisávamos cobrar mais das autoridades para evitar esse tipo de situação, porém, noto que já há um movimento que encontra uma saída para esse problema: produtos sem gênero. Afinal, será que tudo precisa ser dividido entre homem e mulher?
Em brinquedos, itens de moda e beleza, vão ganhando espaço a não divisão por gênero, no qual isso é muito vantajoso aos negócios, já que gera menos complexidade de compras e logística, além de o empreendedor poder comprar um maior volume de peças ou matéria-prima, galgando possíveis descontos e reduzindo custos. Há também uma maior padronização da modelagem, uma vez que os gêneros usarão a mesma peça de roupa, sem grandes alterações no modelo.
Para lojas físicas, há também uma otimização do espaço físico, sem a necessidade de dividir setores por gênero.
O maior absurdo que já vi em divisão por gênero foi uma água mineral que tinha a embalagem rosa e esta era vendida mais cara só por conta desse detalhe.
Não é de hoje que trazemos a questão do Sem Gênero (Genderless): Na década de 20, a estilista Coco Chanel ousou criar roupas para mulheres a partir das peças masculinas.
De acordo com o SEBRAE SC (2019), a arte e a moda foram o berço da neutralidade de gênero. Na década de 1970, o cantor David Bowie foi um precursor e expoente da tendência, incorporando tanto elementos masculinos quanto femininos em seu visual.
Nos anos 1980, o estilista Jan Paul Gaultier também apostou em desfiles que rompiam com a tradição binária, onde as peças eram exclusivamente dedicadas a mulheres e homens (SEBRAE SC, 2019).
Já em 1994, a Calvin Klein lançou um perfume sem gênero que alcançou sucesso de vendas. Outras marcas, como a canadense M.A.C. e a norte-americana Redken também desenvolveram produtos e campanhas genderless.
Diante de tais argumentos, fica aqui uma reflexão: será que tudo deve ser dividido por gênero, ou será que existem algumas categorias de produtos e serviços que independem dessa distinção e devem se olhar as semelhanças e o bom gosto entre todos os humanos e consumidores?
(*) É professora de Marketing e Comportamento do Consumidor da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas.