O jornalista espanhol Sergio Fanjul publicou recentemente no jornal espanhol El Pais um artigo intitulado “Silicon Valley, productor de chips, ideología e injusticia”.
Vivaldo José Breternitz (*)
É uma visão bastante interessante do vale californiano, que o jornalista diz que além de ser o centro global dos negócios de tecnologia, é também uma fonte de ideologia e um laboratório onde se desenvolve as desigualdades que virão.
Fanjul diz que um dos conceitos que associa àquele lugar, é o de revolução, mas não uma revolução que visa acabar com regimes absolutistas ou emancipar a classe trabalhadora, mas sim gerar impactos sem precedentes em setores do cotidiano, desde compras e operações bancárias até barbearias e lavanderias.
E esses impactos são facilmente observados, pois com a infiltração irreversível dessas tecnologias no quotidiano de todos os cidadãos, torna-se praticamente impossível viver sem todas as pequenas coisas que nos são fornecidas pelo Vale.
É interessante notar que o movimento para o futuro que o Vale do Silício e seus tecnogurus propõem não é balizado por nenhuma ideia moral, por nenhuma utopia social, mas sim por uma vaga percepção de que a evolução tecnológica nos levará a um lugar melhor – se não a todos, pelo menos os acionistas das grandes empresas da região…
Essa é uma forma de determinismo tecnológico, ou seja, surge a crença de que o desenvolvimento da tecnologia é o motor do progresso e que não há como evitar esse desenvolvimento, cabendo-nos apenas sentar e esperar até onde a tecnologia nos levará.
A imagem do Vale é um produto que vende bem: cada país, cada região, quer ter seu Vale do Silício; o pensador francês Eric Sadin, em seu livro “La Silicolonisation du monde”, explica esse fenômeno e como a tecnologia vem sendo submetida exclusivamente à economia.
Também nasceu no Vale aquilo que recebeu o nome de Ideologia Californiana, uma mistura de contracultura e capitalismo que se materializa em alguns de seus protagonistas, como Steve Jobs e Elon Musk. A Ideologia Californiana gera a crença de que todos os problemas do mundo serão resolvidos pela tecnologia e que ela mudará para sempre a natureza do ser humano; além disso, propõe uma política libertária, não no sentido anarquista clássico, mas sim um anarcocapitalismo, que basicamente quer acabar com o Estado para não pagar impostos e não se submeter a quaisquer tipos de regras.
Curiosamente, embora o Vale do Silício esteja ligado no imaginário popular à iniciativa privada e ao empreendedorismo, sua existência está fortemente entrelaçada com o financiamento público, especialmente para o desenvolvimento de tecnologia militar e de automação de operações empresariais, esta gerando descarte de mão de obra.
Um dos fenômenos mais característicos do Vale é sua enorme capacidade de atrair riquezas aliada à sua enorme incapacidade de redistribuí-las. Em toda a região, e especialmente nas proximidades de San Francisco, acontecem violentos processos de gentrificação, a transformação de áreas urbanas que leva ao encarecimento do custo de vida e aprofunda a segregação socioespacial nas cidades. A gentrificação modifica a paisagem urbana e o perfil social de determinadas áreas, provocando a valorização de seus imóveis e a expulsão de antigos moradores.
Nesse cenário, ao mesmo tempo que crescem as fortunas que emergem do bit e do chip, cresce também uma grande massa de pessoas sem-teto e sem futuro, com as quais ninguém no Vale parece se importar, focando-se apenas na competição e na chegada ao sucesso.
(*) É Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, é professor, consultor e diretor do Fórum Brasileiro de Internet das Coisas.