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Sociedade da insegurança

em Opinião
segunda-feira, 10 de abril de 2023

Marco Antonio Spinelli (*)

Não sei se é coisa dos meus algoritmos que me mandam esses conteúdos, que eu evidentemente gosto e clico.

Ou se o leitor aí do outro lado da tela também recebe um monte de vídeos dobre Estoicismo e sobre Fitness. Parece uma moda, mas para mim é mais um sintoma que moda. Explico. Estoicismo é uma Filosofia grega tardia, que se desenvolveu e espalhou mais pela Civilização Romana que pela Grécia.

Seus grandes pensadores foram romanos, e até um Imperador Romano, Marco Aurélio, está em muitos vídeos do Youtube e comentários, pois era um filósofo de primeiro time. O Estoicismo ensina as pessoas uma espécie de distanciamento das angústias e incertezas da vida, no sentido de tomar as decisões com serenidade e distância, de maneira racional e refletida.

A moderníssima Neurociência chama essa capacidade de Metacognição, ou a capacidade de examinar as situações e os medos de fora, sem morrer afogado na angústia ou nos pensamentos em turbilhão. Não é difícil de se imaginar por que o Estoicismo está tão em voga, bombando nos vídeos e nos podcasts. Somos uma sociedade doente, massacrada por estímulos e demandas.

As relações são substituídas pelas conexões. Os encontros e simpósios são para networking, não para rever amigos. As pressões de produtividade são incessantes e as telas permitem a ilusão que se pode falar de trabalho em qualquer período do dia ou da semana. A Era Digital recrudesceu o Hipercapitalismo, com menos gente fazendo o trabalho e tendo que entregar o dobro da produtividade.

Quando a pessoa entra em colapso, é vista como alguém que “não segura a onda”, o que é uma espécie de morte corporativa. Outra moda que também é um sintoma é a cultura do Fitness. Fitness significa caber, encaixar, estar bem dentro de uma roupa, estar magro. Não é o que temos hoje. Fitness é uma forma de estar robusto. De ficar “grande”.

Vejo médicos marombados, falando em vídeos, que congelaram seus espermatozoides para poder acabar com sua produção dessas células consumindo bombas e esteroides anabolizantes. O cara pode abrir mão da preocupação anatômica número um dos homens, que é o tamanho do bimbo e das jóias da família, para ficar musculoso e bombado. Para se sentir invulnerável. O que tem em comum os filósofos do Império Romano e os Influencers da Maromba?

Eles reagem contra uma sensação coletiva de Vulnerabilidade. A Civilização Digital é construtora e multiplicadora de Fragilidades. Eu tenho um Instagram profissional, o @psiquiatradeestimaação, e me recuso a fazer propaganda de doença ou ficar assustando as pessoas com os “índices alarmantes de suicídio”, ou a “escalada de jovens drogados”, ou coisas que criem mais medo, mais ameaça, mais incerteza.

Os problemas devem ser apresentados e as saídas apontadas, senão é mais um culto à sensação de vulnerabilidade, que faz as pessoas lerem filósofos estóicos ou marcar consulta com profissionais que pretendem vencer o medo com hormônios e suplementos alimentares.

Não se engane você. Desenvolver a Serenidade e a capacidade de olhar as coisas de fora com equilíbrio é extremamente importante nesses tempos acelerados. Fazer musculação e aumentar a massa magra, a resistência e a força física deveria ser matéria escolar obrigatória. O objetivo desse texto não é criticar nenhum dos movimentos. Só seus excessos.

A principal reflexão, entretanto, é de que o detalhe esquecido é a sensação coletiva e imposta de que somos seres próximos ao descarte. Bichos perto da extinção. Vamos ser trocados por outros mais baratos. Cuidar dessa sensação coletiva de Insegurança é sair dessa onda de pequenas ameaças que nos chegam o tempo todo no celular.

Cuidar da Vulnerabilidade, surfar na Incerteza e transmitir confiança para nós e para as pessoas próximas, isso é que é um Superpoder. Esse deveria ser o próximo super herói da Marvel: o Capitão Serenidade.

(*) – É médico, com mestrado em psiquiatria pela USP, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro ‘Stress – o coelho de Alice tem sempre muita pressa’.