Celso Flores (*)
Os direitos fundamentais, tais como o direito à personalidade, são firmemente reconhecidos no seio constitucional.
Mediante o contexto pandêmico que vivemos na atualidade, iniciou-se uma corrida no incremento de compras online em vários setores do varejo, assim como a criação de novos modelos de negócios. Isso nos faz crer, portanto, que, de fato, o avanço do novo coronavírus obrigou a sociedade a evoluir os meios de negócios no âmbito digital, utilizando-se da internet como a espinha dorsal de todo o tráfego de informações.
A intensificação do uso de instrumentos digitais para acessar e negociar na internet, contudo, aumentou os desafios de como manter a guarda dos direitos fundamentais dos cidadãos que permeiam nossa sociedade brasileira, sejam eles pessoas física ou jurídica. Os direitos fundamentais, tais como o direito à personalidade, são firmemente reconhecidos no seio constitucional.
Tal reconhecimento, no entanto, não veio de forma instantânea e imediata, e sim mediante várias lutas sociais intensas, levando a evolução ao longo do tempo. Evolução essa, diga-se de passagem, que está longe de terminar. À medida que nossa civilização avança, novos valores e problemas passam a existir, principalmente, devido ao crescimento significativo do uso do meio digital, que causa impactos tecnológicos na vida privada.
Tanto no online quanto offline acontecem violações a direitos de personalidade, que podem ocorrer entre pessoas em uma sala de bate-papo virtual (chat) ou mesmo de forma presencial. Independente de ser no campo virtual ou não, tudo é real. Os negócios, os diálogos e as ofensas, seja em que meio for, sempre atingem as pessoas concretamente. Estabelecer, portanto, a diferença entre mundo real e virtual para que seja aplicada a lei é desnecessário.
Decerto os agentes sociais, em suas práticas rotineiras, desempenham cada vez mais papéis interligados através de instrumentos digitais.
Nessa integração do real com o virtual, a informática surge com alto poder lesivo às intromissões na vida privada, e suas potencialidades são tais que deliberadamente a intimidade de todos está sujeita a devassa em qualquer momento.
Desse modo, compreende-se que o conceito de proteção da intimidade e da privacidade tornou-se, atualmente na proteção de dados pessoais, objeto da Lei Geral de Proteção de Dados n° 13.709/18. Pela inexistência de fronteiras físicas que impossibilitem a realização de negócios na internet entre titulares de países diferentes, o local onde deve ser resolvido determinado conflito judicial torna-se difícil de ser definido.
Nesse cenário, no qual a profunda adoção de critérios jurídicos para a fixação da jurisdição se faz relevante, as respostas não devem representar barreiras que impossibilitem as pessoas de exercerem seus direitos de personalidade.
Mediante o exposto, tratando-se de informação ofensiva criada no mundo virtual, sem limitação por fronteiras territoriais, o ofendido tem o direito de buscar a proteção de seus direitos em seu país de residência/domicílio, bastando demonstrar que, em seu país, as informações falsas e difamatórias são livremente acessadas, causando-lhe danos no seu mundo real e territorialmente demarcado.
O STJ, inclusive, se manifestou a respeito no Recurso Especial n° 1168547/RJ. “A comunicação global via computadores pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação humana, porém não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da lei baseada nas fronteiras geográficas, motivo pelo qual a inexistência de legislação internacional que regulamente a jurisdição no ciberespaço abre a possibilidade de admissão da jurisdição do domicílio dos usuários da internet para a análise e processamento de demandas envolvendo eventuais condutas indevidas realizadas no espaço virtual”.
Nota-se que é insignificante o local dos dispositivos, terminais, servidores e dos endereços de domicílio do titular do domínio. A relevância maior está no local dos efeitos danosos da violação dos direitos de personalidade no ambiente digital, ou ainda, para onde as atividades do provedor de aplicações são dirigidas, como língua, código de endereçamento postal (ZIP), telefones, entre outros, a fim de que se fixe um critério para se aferir as devidas responsabilidades civis.
(*) – É advogado especialista em Direito Digital do Escritório de advocacia Bastos Freire.