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O sonho de pedra

em Opinião
quinta-feira, 16 de março de 2017

Heródoto Barbeiro (*)

No dia 21 de abril de 1960 o presidente da república fechou solenemente os portões do Palácio do Catete. A multidão reagiu com aplausos

Não era mais uma das crises políticas com a ameaça de bombardeio da sede do governo como tantas vezes ocorrera. Nem o cerco do palácio pelos tanques herdados da segunda guerra mundial como na deposição do ditador Getúlio Vargas. Era o marco da transferência da capital para o interior do Brasil. O presidente Juscelino pegou o avião presidencial e no mesmo dia inaugurou Brasília, chamada pelo pessoal da propaganda de A Capital da Esperança.

Era um homenagem a um participante da Inconfidência Mineira, executado em 21 de abril de 1792. Ele tinha 45 anos. Uma inauguração como nunca se tinha visto desde que o Rio de Janeiro tinha sido a sede principal do governo, em 1763. Juscelino e a cidade passaram para a história do pais. Ele consolidou o sonho de todo político: construiu e inaugurou.

Inaugurar é uma tradição acalentada pelos políticos desde a época do império. É o momento da consagração de quem se empenhou em realizar uma obra, por isso não se pode descuidar dos inauguradores. Todos acham que têm o direito de cortar a fita, soltar o laço, puxar a cortina que esconde a placa de inauguração. É um ato tão antigo como os faraós que exigiam que seus nomes fossem impressos nas pedras de templos e pirâmides. Por isso é preciso cuidado.

A rainha Elizabeth II veio ao Brasil em 1968. Não escapou de participar da inauguração do MASP e do início do trabalho na ponte Rio-Niterói. Afinal havia dinheiro inglês lá. O sucesso de público e mídia foi de tal ordem que nenhum outro governante abriu mão mais de capitanear a inauguração. Transporte grátis, bandas contratadas, artistas populares, crianças das escolas com bandeirinhas ou outro adereço festivo e muito puxa saco para dar volume no evento. Tudo com grande cobertura da mídia, oficial ou não.

Isto tudo gerou um conflito federativo no Brasil. A ordem era mais ou menos assim: pequenas obras, pinguelas, fontes luminosas, etc. eram para o prefeito. Estradas, pontes, hospitais, escolas maiores, etc. eram do governador. Ao presidente competia ou participar dessas inaugurações como coadjuvante, ou o centro das atenções se fosse obra federal como uma ferrovia, porto, estradas de longo alcance, universidades, etc.

Porém o poder central passou a participar de tudo o que provinha do seu orçamento. Lá estava o ou a presidente na distribuição de tratores para a prefeitura, ambulâncias, cisternas, conjunto de casas populares, pequenas pontes, e outras obras. Inauguração passou a ser prioritária na agenda presidencial, fosse o que fosse. Descobriu-se que nada podia ajudar mais a imagem junto à população. Só perde para as infinitas solenidades sobre coisa nenhuma no Palácio da Alvorada.

Heródoto Barbeiro é âncora do Jornal da Record News e do Blog do Barbeiro no R7 ([email protected])