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“O rei está nu”

em Opinião
quinta-feira, 30 de março de 2023

Ricardo Guimarães e Arthur Melo (*)

Em ‘A nova roupa do rei’, conto escrito pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, esse é momento em que a moral da história é apresentada.

Relembrando: dois forasteiros chegam a um reino e se fazem passar por tecelões sofisticados. Eles se aproveitam da vaidade do monarca, acostumado a esbanjar o tesouro real com trajes caríssimos, e oferecem-lhe vestimentas extraordinárias, visíveis apenas aos inteligentes. Com receio de serem considerados estúpidos, o rei, seus funcionários e depois todos os súditos fingem enxergar as roupas invisíveis.

Até que uma criança desvela a farsa. Ao ver a procissão do monarca nu, ela grita o que todos estão vendo mas não dizem. Assim como as fábulas de Esopo ou de La Fontaine, os contos de Andersen têm um caráter educativo, são ferramentas poderosas para explicar a natureza humana.

Depois de ler a resolução CVM 178, é impossível não fazer a analogia entre as novas regras propostas pelo regulador e o conto do dinamarquês. Os pontos de destaque que se depreendem da leitura do documento são maior flexibilidade para os assessores de investimento (AI) e simplificação.

Mas o principal é a criação de um ambiente propício para a transparência dos fees cobrados do cliente. É uma norma mais flexível, pois um Assessor de Investimento, além de poder se vincular a mais de uma instituição intermediária, poderá, observando as políticas de suitability, oferecer recomendações de investimentos aos clientes.

E é simplificadora, pois se antes o Assessor de Investimento deveria obedecer às regras da corretora ou banco – o que era de difícil implementação -, agora surge a figura de um diretor responsável pela interlocução com os intermediários e a CVM.

Há também efeitos secundários. Segundo José Brazuna, sócio da BR Governance, a nova resolução favorece a consolidação do mercado: “Com a CVM 178, uma empresa de assessores de investimentos pode ter sócios que não sejam ‘AI´s. Isso abre espaço para gestores de recursos que desejem ampliar seu canal de distribuição se tornem sócios de um AI”.

Por fim, é uma norma que aumenta significativamente a transparência na relação cliente-AI. O artigo 23 é taxativo: “Sempre que solicitado por clientes, [o AI deve] descrever como é remunerado por produtos e serviços oferecidos, incluindo valores ou percentuais efetivamente praticados”.

O cliente poderá solicitar “inclusive eventuais adiantamentos feitos pelo intermediário, que tenham sido ou venham a ser, indireta ou indiretamente, recebidos pelo assessor de investimento”. A estrutura de fees está nua, como nu estava o rei no conto de Andersen. A obrigatoriedade de transparência na forma de remuneração, além de benéfica para os clientes, deixa todo o mercado em igualdade de competição.

É legítimo que AI´s, corretoras e private banks sejam comissionados pelos serviços que oferecem: acesso a gestores, execução de ordens na B3 e emissões de dívida. Mas é legítimo também que o cliente saiba de antemão o custo total desse mesmo serviço. Não há diferença entre um serviço muitas vezes vendido como “grátis” e um traje de fios invisíveis.

É notável o esforço dos reguladores em aumentar a transparência para os investidores. A CVM divulgou, simultaneamente à 178, a resolução 179. Esta obriga os intermediadores (bancos e corretoras) a emitir trimestralmente extratos com informações acerca da remuneração sobre os investimentos realizados. Vale lembrar que desde o início do ano os intermediadores são obrigados a disponibilizar o valor de títulos de renda fixa “a mercado”.

São todas sinalizações positivas por parte dos reguladores. Após a execração pública, o rei nu foge para seu castelo. A vergonha altera seu comportamento, e a vaidade e a negligência com o tesouro dão lugar a atitudes simples e justas em relação a seus súditos. Os investidores também desejam simplicidade e imparcialidade de seus assessores.

(*) – São sócios da Vita Investimentos (https://vitainvestimentos.com/).