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Made in Brazil

em Opinião
segunda-feira, 23 de abril de 2018

João Marchesan (*)

Os historiadores consideram que a industrialização brasileira começa em 1808, quando D. João VI, ao chegar ao Brasil, revogou a proibição de D. Maria I que impedia a colônia de produzir manufaturas

Entretanto, a simultânea abertura dos portos fez com que a manufatura brasileira ficasse restrita a poucos bens de consumo e, somente nas duas últimas décadas do século XIX, o Brasil passou a apresentar alguns indicadores de industrialização. Ainda assim, em 1900, quando comparamos os índices de produção industrial per capita, o Brasil mal chegava a 5% da produção da Inglaterra e 7% do Estados Unidos e, somente com Vargas e a 2ª Guerra Mundial, o Brasil começou a implantar uma política de industrialização com indústrias de base e de energia.

Ou seja, a industrialização brasileira iniciou quase 200 anos após a Inglaterra e 150 anos depois dos Estados Unidos. Nossa revolução industrial, aproveitou muito bem a criação do BNDES e os estímulos dados à substituição das importações, desde Juscelino até os governos militares (1964-1985). Neste período nasceram os incentivos às exportações, que ajudaram a consolidar nossa indústria de modo que, no fim da década de 70, o Brasil figurava em quinto lugar entre as principais potências industriais, fazendo os brasileiros se orgulhar do “made in Brazil”.

Na década perdida dos anos 80 o Brasil perdeu bem mais do que sua taxa de crescimento. O país esqueceu que o motor do crescimento chinês, de 1930 a 1980, foi, basicamente, o processo de industrialização. Foi a indústria que, ao crescer e criar empregos, possibilitou fortes ganhos de produtividade, permitindo a absorção dos migrantes do campo e do nordeste e transformando desempregados em brasileiros com carteira assinada e renda decente.

A substituição das importações, porém, tinha como limite natural o atendimento ao mercado interno, alcançado na década de 70, o que comprometia a continuidade do crescimento da indústria. Na ocasião, o sucesso dos países emergentes asiáticos que escolheram “crescer via exportações” indicava qual o caminho do Brasil. Isto exigia fortes investimentos em educação para fornecer pessoal qualificado, bem como câmbio depreciado, baixa carga tributária e crédito abundante, para investimentos produtivos, a juros compatíveis.

Entretanto, em meados dos anos 80, o processo de redemocratização mudou as prioridades definidas pelo regime militar, substituindo-as pelo atendimento prioritário dos anseios sociais, fato sacramentado na “constituição cidadã”. Simultaneamente o Brasil passava a conviver com forte crescimento da dívida pública e inflação elevada o que tornava o estado brasileiro refém do setor financeiro, levando o “mercado” a definir as novas prioridades nacionais, das quais a indústria não fazia parte.

Assim em lugar da inserção competitiva da indústria nacional nas cadeias globais, foi feita uma abertura financeira ampla, geral e irrestrita. A adoção das políticas do “consenso de Washington”, feita por FHC e continuada pelo Lula, ampliou o processo de desindustrialização iniciado nos anos oitenta. Juros altos e câmbio baixo, decorrentes do “tripé” instituído na crise cambial de 1999, levaram a indústria de transformação brasileira a reduzir sua participação no PIB, dos quase 30% de 1980 para cerca 11% em 2016.

As tentativas canhestras, feitas no governo Dilma, de compensar os estragos no tecido industrial do país, causados por anos de juros altos e câmbio apreciado, através de incentivos creditícios e/ou desonerações fiscais pontuais, demonstraram que estes últimos não substituem uma política macroeconômica favorável ao investimento produtivo. Isto não impediu, entretanto, que economistas ortodoxos usassem o fato para pontificar sobre a inutilidade de todas e quaisquer políticas industriais.

Estas desonerações pioraram sensivelmente as contas públicas, levando o país a um endividamento crescente e á crise política. Já em 2015 com o ministro da Fazenda imposto pelo mercado e, principalmente, após a troca de governo, a visão financeira no diagnóstico da crise, priorizou um ajuste fiscal que, desconheceu o elevado endividamento das famílias e das empresas, piorando sensivelmente a grave recessão que já dura mais de três anos. Caberá ao futuro presidente, além equilibrar as contas públicas, definir um novo modelo de desenvolvimento que resgate o papel da indústria.

O ciclo de crescimento sustentado, dos anos 30 a 80 do século passado não por acaso ocorreu junto com a industrialização do país enquanto que a forte redução nas taxas crescimento do PIB simultânea com a desindustrialização não é mera coincidência. Se é verdade que o crescimento decorre basicamente de ganhos de produtividade, fato com o qual concordam onze entre dez economistas, o novo governo deve perseguir este objetivo. E é indiscutível que, no mundo todo, este papel tem sido desempenhado, basicamente, pela indústria e pelos serviços sofisticados que ela demanda.

Jamais seremos um país desenvolvido sem produzir produtos tecnologicamente complexos e empregar mais e mais brasileiros na indústria de transformação e em serviços sofisticados. Assim reindustrializar o país, tendo em vista o novo paradigma de uso intensivo de tecnologia digital, internet das coisas e inteligência artificial é indispensável para o crescimento sustentado. Um ambiente favorável aos investimentos é necessário mas as reformas microeconômicas entre as quais se destaca a tributária, são essenciais para que a produção e exportação de bens e serviços “made in Brazil” sejam um bom negócio.

Não foi por falta de políticas industriais que a indústria brasileira não só cresceu no passado recente mas, ao contrário, encolheu até ocupar, hoje, o 11º lugar entre os países industriais. De fato nenhuma política de incentivos ou de desonerações compensa uma política macroeconômica hostil. Juros altos desestimulam os investimentos e aumentam custos enquanto o câmbio apreciado define o preço e portanto as margens de bens e serviços.

Ou seja, um ambiente desfavorável aumenta custos e reduz margens o que certamente não faz do país um bom lugar para se produzir.

(*) – É administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas.