141 views 6 mins

Enfermidade senil

em Opinião
quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Heródoto Barbeiro (*)

Ele entrou para a nossa história no século passado. E nunca mais saiu. O fenômeno foi inicialmente caracterizado pela prática na América Latina. Depois se espalhou para outros rincões  do mundo.

O populismo no Brasil está associado à ascensão ao poder de Getúlio Vargas, e viveu colado em sua biografia até a sua morte trágica em 1954. O termo tem conotações diversas, mas de um modo geral é entendido como uma relação direta entre um líder carismático e as massas. Nisso o ditador foi um mestre. O populista abre um diálogo direto com a população e abre mão de intermediários como os partidos e os políticos de uma maneira geral.
Considera-se um representante da população desassistida e capaz de mudar em muito pouco tempo, e com energia, uma situação desejada pelos seus seguidores. O Brasil não foi o único pais onde se desenvolveu o populismo, há exemplos marcantes em outros países latino americanos. É um modo de agir que cai no gosto popular uma vez que o líder se propõe a ser um verdadeiro salvador da pátria.
Partidos políticos frágeis, acusados de corrupção, representantes apenas das camadas privilegiadas abrem um campo enorme para a crença que um Dom Sebastião apareça, saia ele do meio do mar ou de qualquer outro rincão. É a esperança personificada em uma só pessoa. Daí para o culto à personalidade é um passo. Não havia uma só repartição pública que não ostentasse a foto de Vargas com a faixa presidencial. Não precisava de ninguém para governar uma vez que se revestia de uma auréola mística, quase religiosa.
O termo ganhou uma conotação pejorativa e não raro os adversários políticos se acusam de propor medidas populistas. Não se aplicou a outros líderes a mesma denominação, como a Mussolini, Hitler ou Stalin, uma vez que eles se apoiavam em poderosos partidos únicos. Contudo, popularmente, a expressão migrou do poder executivo e atingiu também o legislativo e o judiciário. Leis aprovadas sem nenhuma constatação científica ou na realidade ganham o apoio de parte da opinião pública. Uns por ignorância, outros porque têm interesses impublicáveis.
São chamadas de leis populistas .Um exemplo marcante é a aprovação no Congresso de da chamada “pílula do câncer”. Muitos acreditavam que ela seria capaz de curar qualquer tipo de câncer. Os motivos foram da pior espécie, atender ao reclamo popular, que os laboratórios imepediam a venda do produto para não perder o monopólio. Com a mesma velocidade que ganhou ampla repercussão na sociedade, desapareceu. Não se fala mais na tal pílula. Porém, o que aconteceu com as pessoas com essa terrível doença, que abandonaram tudo o que se pesquisou?
Provavelmente não se curaram. Os defensores dessa droga também sumiram. Não assumem a responsabilidade pela sua irresponsabilidade. Foi a reedição de outro tratamento milagroso na década de 1970, o chá da casca do ipê roxo. A árvore símbolo do Brasil foi cultuada como um milagrosa. Também não se ouve mais falar disso.
Os políticos aprovaram a comercialização de remédios inibidores de apetite. É verdade que com o apoio de alguns médicos. Os produtos estão liberados sem a aprovação da ANVISA, o órgão que avalia a eficácia e a segurança de todos os medicamentos vendidos nas farmácias. É impensável que nos Estados Unidos alguma droga seja liberada sem a anuência do FDA. Ou na Europa, sem o aval da Agência Européia de Medicamentos.
Que conhecimentos científicos tem parlamentares para licenciar um remédio? É o populismo legislativo, dizem uns. Outros dizem que ele chegou também no judiciário e no ministério público. Ambos são acusados de interpretarem as leis sob pressão popular para agradar a galera. Outros ainda afirmam que o ego ficou incontrolável diante de power points ou temas sensíveis como a fiscalização do trabalho semelhante a escravidão. O populismo pulou dos livros de teoria política para a internet e ganhou popularidade.
Decisões judiciais populistas pautam a mídia e promovem grandes debates, condenam uns ao inferno e alçam outros ao céu. É um vale tudo que enfraquece a democracia representativa, que já tem pouco apoio no Brasil. Os populistas de todos os poderes brincam com fogo, e geralmente o resultado não é dos melhores. Como disse o ex-ministro do Supremo Bernard-Henri Lévy : “populismo é a enfermidade senil das democracias”.
Chamem a ANVISA.

(*) – Áncora e editor chefe do Jornal da Record News, autor de manuais de jornalismo.