Thaís Cíntia Cárnio (*)
Recentemente, a Mastercard fez um anúncio ousado: atualizou sua logomarca retirando seu nome e mantendo apenas os círculos vermelho e amarelo interligados.
Essa iniciativa decorre de uma aposta muito interessante, isto é, a empresa acredita na descontinuidade da utilização de cartões físicos, sejam de débito ou de crédito, em um futuro próximo. Nesse cenário, estes modelos seriam substituídos por outros meios de pagamentos desmaterializados ou incorporados ao vestuário, como smartwatches, pulseiras e outros mecanismos capazes de transmitir dados para transferência de recursos de maneira muito mais moderna.
Considerando a enorme representatividade da Mastercard nesse setor, realmente é uma atitude de peso. Mas será que esse prognóstico retrata a realidade do mercado consumidor em geral? Isso facilitaria ou, ao contrário, dificultaria o acesso de algumas pessoas a outros meios de pagamento que não as cédulas?
Fazendo um rápido paralelo, recentemente observei que a maioria dos jovens dispensa o uso de relógios de pulso. E não são poucos aqueles que afastam o sonho do veículo próprio ou de casa própria em prol da praticidade de aplicativos de transporte e a possibilidade de não limitar sua capacidade de mudança. A palavra é “flexibilidade”. Essa é uma tendência que não pode ser ignorada pelos prestadores de serviços de diversas áreas.
O setor financeiro, vanguardista em muitos aspectos, está atento a essa característica geracional. Justamente por esse motivo a Mastercard volta seus olhos para a assunção de novos papéis, revestindo-se das qualidades de uma finntech, preocupada em entregar a esse público o que ele pede.
Essa estratégia será vitoriosa? Isso dependerá de como serão tratados os clientes mais “clássicos”. Nessa categoria podemos encontrar, por exemplo, aqueles que sentem satisfação em ostentar um relógio de marca consolidada, uma bela caneta, ou um cartão “black”, “infinity”, “eternity” ou seja lá o nome criado pelo marketing produtor de objetos do desejo um pouco anteriores aos novos tempos.
Também há de se pensar em grupos que apresentam um pouco mais de dificuldade em assimilar novas tecnologias para todos os aspectos da vida, preferindo “falar com o gerente” de verdade, olho no olho, e não por chat no aplicativo. É o caso de um grande colega acadêmico que passa dos sessenta anos e gosta, sim, de tecnologia.
Mas que prefere negociar a aplicação de seus investimentos observando cuidadosamente as feições do analista de risco do banco enquanto expõe cada opção existente no mercado. Prefere ir à agência do que “conversar” com a voz robótica do atendimento automático que finge lhe conhecer de longa data.
E quanto àqueles que não podem ou não conseguem concentrar suas atividades diárias em soluções “smart”? Ficarão excluídos do público-alvo nessa nova concepção? Recentemente estive ouvindo as queixas de três senhoras cujo plano de saúde só faz agendamento e validação de consultas por aplicativo, porém nenhuma delas tem “smartphone”. E agora?
Esses grupos não são necessariamente resistentes, mas cultivaram seus valores e preferências. Para cativá-los, talvez ações de marketing não sejam suficientes. A vitória ou o fracasso das novas inciativas repousa tanto no olhar para o futuro, como no cuidado com os clientes “clássicos” e no atendimento daqueles que ainda não dominam as novas tecnologias, seja incluindo-os ou oferecendo alternativas de acordo com suas preferências.
As prestadoras de serviços nunca devem esquecer que vanguardismo é bom, mas cliente bem atendido é melhor ainda.
(*) – É professora de Direito Bancário e Empresarial da Mackenzie, doutora em Direito Tributário e mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP, e especialista em Banking pela Mackenzie.