Márcio Coimbra (*)
Vivemos tempos estranhos. Os níveis globais de democracia nunca estiveram tão baixos.
As ditaduras, ao contrário, são a sensação do momento. O número de nações dirigidas por ditaduras se tornou maior que o número de democracias plenas pela primeira vez desde 1995. As democracias voltaram a números que datam de 1986. Os dados são do instituto sueco V-Dem, ligado à Universidade de Gotemburgo. Isto significa que vivemos um período claro de retrocesso democrático no mundo, um dado preocupante.
É momento de nos perguntarmos o que tem enfraquecido a democracia em tempos recentes, ou o que levou diversos países que viviam em regimes abertos e livres terem se tornado autocracias ou regimes autoritários. Sabemos que os caminhos são variados e os inimigos das democracias são conhecidos, entretanto, estamos diante de um retrocesso preocupante, uma vez que tem se acelerado e tomado contornos críticos.
Até então, os adversários conhecidos da democracia residiam no populismo, uma forma de subverter o regime político por dentro, manipulando a vontade popular por meio do clientelismo, assistencialismo e paternalismo, ferramentas essenciais do processo. Vimos isso na América Latina, em especial em países pobres, onde a população é muito dependente das benesses dos governos. Um caso clássico, porém, conhecido.
Entretanto, os mecanismos antidemocráticos se refinaram com o passar do tempo, passaram pela corrupção sistêmica e se alojaram em uma espécie de discurso de ódio impulsionado pelas redes sociais. A soma destes fatores fez surgir um populismo de caráter identitário, servil e digital, usando as fake news como instrumento mobilizador de massas e geração de pertencimento a uma causa.
Os reflexos na política foram imediatos. Campanhas digitais e mobilizações enormes por grupos em redes sociais e depois por meio de mecanismos de mensagens instantâneas impulsionaram candidaturas de outsiders. Partidos foram formados e passaram a ter voz no processo político, especialmente na Europa, onde seguidas vitórias foram alcançadas, nem sempre levando candidatos democráticos ao poder.
Desde a Hungria, que sofre uma degradação democrática contínua, passando pela Nicarágua, que voltou a flertar e viver com o autoritarismo, e a Turquia, que aos poucos enxerga a república laica fundada por Atatürk se dissolver, vemos a liberdade e seus instrumentos democráticos se enfraquecer.
Não foi por outro motivo que vimos os atos antidemocráticos em janeiro de 2021 e 2023, em Washington e Brasília, além do assassinato do ex-premiê japonês Shinzo Abe em um comício eleitoral. O discurso de ódio, aliado ao populismo antidemocrático e os radicais formados nas redes sociais estão na essência deste processo.
Hoje, 72% da população do planeta vive em países não democráticos, como autocracias eleitorais, caso da Rússia de Putin ou ditaduras como a China de Xi Jinping. Democracias somente conseguem estabilidade se passarem por processo de liberdade econômica, o que torna a economia menos dependente dos políticos e um processo avassalador na área de educação.
Mesmo assim, a sedução do populismo, especialmente nesta nova versão digital e radical, ainda é um risco. Vivemos tempos estranhos. A batalha pela democracia nunca foi tão urgente e tão importante para o mundo inteiro.
(*) – É Professor, cientista político e coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie/Brasília.