Helena Cristina Bonilha e Wagner Luís Verquietini (*)
Recentemente, o TST comemorou seu reconhecimento como Órgão do Poder Judiciário com a aprovação da EC 92/2016.
Segundo o seu presidente, Ives Gandra Martins Filho, o novo texto é de fundamental importância ao reconhecer a Reclamação de Competência, instrumento para a preservação da competência e da sua jurisprudência.
Ele lembrou que tanto o STF quanto o STJ já possuem este instrumento, que democratiza o acesso às decisões dos tribunais superiores. O dispositivo estabelece que o TST pode fazer valer a sua decisão caso outras instâncias decidam de forma diferente da sua.
Porém, com o “processo de impeachment” o modelo capitalista “neoliberal” ganhou mais força no cenário nacional. A monumental crise econômica, social e política que atravessamos oportuniza a concretização das propostas da Confederação Nacional da Indústria, que historicamente chama a legislação trabalhista e as decisões do TST de irracionais. Para o mercado, a reforma trabalhista é fundamental.
A “desregulamentação” das leis de proteção ao trabalho constitui um “imperativo” econômico basal, invocado em nome da competitividade, da produtividade e do combate ao desemprego. Todavia, uma profunda e ampla reforma causaria enorme desgaste aos agentes políticos, preço alto para um Governo ilegítimo e sem respaldo popular. Não se sabe se há um acordo tácito entre os Poderes ou se o Executivo percebeu que o Judiciário, por meio do STF, poderia avocar a desregulamentação trabalhista sem causar os prejuízos políticos temidos pelo Planalto.
Nesse sentido, em entrevista em 5 de outubro do presidente Michel Temer à rede Bandeirantes, ele diz textualmente: “Interessante como o próprio Judiciário já está começando a fazer uma reforma trabalhista. Tanto que, logo depois do teto, nós vamos para a reforma da Previdência, com aquelas significações que eu acabei de mencionar. E, ao mesmo tempo, levar adiante o que remanescer, ainda, da reforma trabalhista. Porque se num dado momento, os tribunais superiores, interpretando a Constituição Federal e a CLT, fizer, por conta própria (risos), uma reforma trabalhista, nós não precisamos levar adiante.”
O certo é que a reforma por meio da desconstrução interpretativa da Constituição em matéria trabalhista por “iniciativa” do STF passa a ser incisiva, contundente e avassaladora a partir do discurso de posse do atual presidente. Exemplo é o RE 895.759 em que se discutiu a redução de horas “in itinere” por meio de norma coletiva (negociado sobre o legislado). O ministro Teori Zavascki, monocarpicamente subverteu toda a compreensão jurídica formada na esfera trabalhista após nove anos de tramitação do processo.
Outro caso foi a decisão do ministro Dias Toffoli nos autos da Reclamação 24.597 apresentada pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Nesse processo o STF ignorou por completo o TST, vez que revogou uma sentença do TRT de Campinas, antes da análise do TST. Como disse Jorge Luiz Souto Maior “passou por cima do TST” ([4][4]). O STF fez letra morta da Constituição ao entender que os funcionários da saúde não têm direito à greve.
Por fim, outro exemplo que demonstra que o TST é um ser figurativo, como toda a Justiça do Trabalho – apesar de constar da Constituição como órgão de cúpula do Poder Judiciário -, trata-se da decisão do ministro Gilmar Mendes sobre a ADPF n.º 323. O ministro, em atenção ao pedido da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), ignorou o TST enfrentando a questão da ultratividade de normas coletivas e suspendeu os efeitos da Súmula 277 e de todos os processos que versem sobre a matéria.
As decisões chegam a ser contraditórias, pois enquanto Teori Zavascki dá validade ao negociado frente ao legislado, Gilmar Mendes diz que o negociado tem prazo de validade fixo, ou seja, se a parte se recusar a negociar e não houver acordo para instauração de dissídio coletivo, somente resta a alternativa da greve, mas como disse Dias Toffoli, a greve está proibida.
Uma coisa é certa, todas as recentes decisões do STF em matéria trabalhista mitigam o Direito do Trabalho e retiram a proteção do trabalhador. Vale ressaltar que é bastante preocupante a postura adotada pelo STF, e a total inércia do TST e também da comunidade jurídica trabalhista. É um momento histórico que precisa de resistência. Não é possível se assistir à ilegítima desconstrução do Direito do Trabalho de forma tão passiva, sem enfrentamento, vez que o objetivo deste é assegurar o mínimo de dignidade ao trabalhador e foi construído após mais de um século de lutas.
(*) – São especialistas em Direito do Trabalho do Bonilha Advogados.