Jayme Petra de Melo Neto (*)
As relações internacionais – estremecidas durante a pandemia – estão gerando importantes alertas econômicos mundiais.
Um dos maiores exemplos está na recente decisão de suspensão do acordo econômico entre a China e a Austrália em todas as atividades relacionadas ao Diálogo Econômico Estratégico Sino-Australiano. Esse fato pode gerar grandes impactos, principalmente no agronegócio, podendo inclusive chegar rapidamente ao Brasil. Uma tensão econômica que aparentemente envolve apenas dois países pode facilmente influenciar a economia de outros.
Apesar de um dos maiores impactos da decisão chinesa estar no aumento do preço do minério de ferro – que, segundo analistas, pode chegar a US$ 200 a tonelada, superando o recorde de US$ 194 atingido há mais de uma década – a saída da Austrália como fornecedora da China dessa mercadoria pode criar um novo direcionamento por parte do governo brasileiro, reduzindo os investimentos para o setor agrícola e direcionando para o mercado minerário.
Além das questões de política internacional, estão incluídas na natureza do agronegócio uma série de questões financeiro-temporais, como o mercado futuro, o tempo do ciclo produtivo e o tempo da concorrência internacional, diversificado em razão da posição geográfica de cada país.
Em boa parte dos setores, as compras são negociadas no chamado negócio a termo, onde o pagamento da compra de um produto ou serviço há de ser realizado até determinada data – ou seja, o tempo é curto, com marcos previsíveis e delineados. Já o negócio futuro, por sua vez, além do diferimento do pagamento, passa por um mecanismo financeiro de arbitramento que pode gerar perdas ou ganhos não correspondentes ao valor da mercadoria em si mesma.
Ele sai do âmbito da mercadoria e vai para um mercado derivado, onde se negociam os direitos creditórios, uma vez que o contrato é arbitrado (liquidado em tese) a cada dia, com a variação da cotação do produto, conforme as relações e decisões mercadológicas internacionais. Como o tempo nos contratos futuro é muito grande, o mercado financeiro, com negociações diárias, cria um mecanismo artificial para que a incerteza seja dirimida em valores.
O tempo do mercado financeiro é o principal regulador e influenciador das relações comerciais de futuro e do agronegócio. Somado a isso, existe ainda o tempo de produção, onde cada produto possui um determinado período para ser plantado, colhido e vendido. Esse período pode ainda sofrer impactos adversos, como eventos climáticos, desastres naturais ou pragas.
Por fim, o agricultor precisa lidar ainda com o tempo concorrencial, que é a detecção de novos entrantes, por vezes de outras regiões geográficas, com safras especiais, visando atuações mais nichadas, com menos volume e maior valor agregado. Em todo esse jogo comercial, há um descompasso enorme. O fluxo monetário é desencontrado do fluxo produtivo, que é desencontrado do fluxo da concorrência. E, em contrapartida, as despesas vêm muito antes das receitas.
Para minimizar esses impactos, cada um desses fatores influenciadores precisa de medidas específicas. No tempo financeiro, é necessária uma excelente estrutura de gestão, capaz de preservar a segurança econômica da transação. No tempo de produção, a tecnologia tem sido uma das estratégias mais importantes e, inclusive, feito milagres em termos de minimizar o tempo de produção e melhorar a qualidade do produto. Contudo, isso demanda dinheiro que, muitas vezes, se torna uma barreira para pequenos produtores.
O tempo de concorrência demanda ainda maior grau de atuação de política governamental de caráter internacional. Como não há como barrar a entrada de um país em um determinado mercado. É necessária uma política eficiente de governo em termos de concorrência internacional, de forma a regularizar e proteger produtos nacionais.
Infelizmente, os instrumentos tradicionais de negociação jurídica são limitados a uma forte pressão financeira. Ainda não encontraram um meio de reparar danos no direito que não seja pelo pagamento de indenizações, que costumam ser tardias. Com as interferências políticas externas, agrícolas ou em outras commodities, o setor fica ainda mais vulnerável.
Se o Brasil não tomar cuidado, podemos acabar sendo atingidos pelas sanções que foram impostas à Austrália.
(*) – É advogado do escritório Marcos Martins Advogados e especialista em Direito cível e societário (www.marcosmartins.adv.br).