Heródoto Barbeiro (*)
Dá para ver porque uns dizem que a previdência tem déficit e outros dizem que tem superávit.
Vamos imaginar que um apanhador de laranjas tire as frutas do pé e as coloque em três caixas diferentes. Uma dessas caixas tem um feitiço e ela cresce e fica enorme. Quanto mais o apanhador põe laranjas nela, mais ela cresce. Com isso quase não tem laranjas para as outras duas caixas. Em um determinado momento, entende que não é justo que uma das caixas receba mais laranjas que as demais. Então passa a distribuir as frutas de forma igualitária nas três caixas. Contudo a grandona fica cada vez mais vazia.
Com outro feitiço toma forma humana, se rebela, ameaça o trabalhador e começa tirar as laranjas das outras caixas. Há uma confusão geral no pomar. Como pode uma caixa ser tão glutona e querer abocanhar, ou encaixotar toda a produção que o apanhador consegue juntar? O pobre homem convoca aos demais trabalhadores e resolvem se reunir em uma assembléia para debater o que fazer com as caixas e como impedir que a mandona continue exaurindo as demais. Contudo, as laranjas da caixona eram destinadas a um grupo que adorava suco e de forma alguma concordava em abrir mão do que recebiam. Confusão geral. O que fazer ?
Vamos chamar o conjunto de caixas de seguridade social. As três caixas são saúde, assistência social e previdência. A caixa maior é a previdência social. Teoricamente ela deveria ser preenchida pela contribuição obrigatória de todas as pessoas que tem carteira de trabalho assinada. Porém se tiram mais laranjas do que põem nessa caixa, ela fica deficitária. Tem que recorrer as demais caixas para não parar de atender aos aposentados e pensionistas. Os jovens põem laranja na caixa. Os velhos tiram. Quando há uma mudança na pirâmide etária, as coisas se complicam. Mais gente vai tirar do que por. E aí?
Todos os cidadãos direta ou diretamente contribuem para toda a seguridade social através de impostos e contribuições. No entanto para cobrir o déficit da previdência, vai ser preciso tirar dinheiro da saúde e da assistência social. Ou o governo vai ter que destinar dinheiro dos impostos que teoricamente seriam destinados à educação, infra estrutura, pagamentos de funcionários, ou seja aquilo que os economistas chamam de “custeio da máquina”. E se ainda assim ele gastar com tudo isso mais do que arrecada com os tributos? Vai ter que pedir dinheiro emprestado para o mercado, ou seja, vai aumentar a dívida pública, pagar juros mais altos ou… aumentar os impostos.
Dá para ver porque uns dizem que a previdência tem déficit e outros dizem que tem superávit. Se ela ficar com todas as laranjas, tem superávit. Se ficar só com as destinadas a sua caixa é deficitária. As laranjas, ou melhor, os tributos são pagos pelos segurados da previdência e patrões, mais o COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL – Contribuição Sobre o Lucro Líquido, ambos pagos pelas empresas. De quebra vem algumas laranjas das loterias e jogos de azar bancados pelo governo. Um caminhão de laranjas, mas ainda assim insuficientes. Todo ano cresce o déficit e se isto persistir, em 20 ou 30 anos aposentados e pensionistas não terão laranjas.
A reunião marcada pelos catadores de laranjas não é pacífica, há os que contribuem, os que não contribuíram, os que contribuíram com pouco e recebem integral, os que deixam pensões para as filhas, os que sonegam, os que fraudam, enfim ajudam a caixa número três crescer e ficar grandona. Por isso não há laranja que seja capaz de preenchê-la. O que fazer ? Como outras nações tratam do mesmo problema? Como impedir que o viés político perturbe a solução técnica?
Você está com a palavra.
(*) É escritor e jornalista da RecordNews e R7.com