Mauro Tozzi (*) e Victor Nascimento (**)
Os desafios levantados pela pandemia trouxeram à tona uma miríade de tecnologias. Da computação em nuvem à videoconferência, as inovações estão ajudando a definir o “novo normal” de um mundo que prioriza o digital e está mais conectado do que nunca. Embora pouco destacada nas manchetes, no entanto, uma engenhosa ferramenta tecnológica está silenciosamente conquistando um importante lugar na economia pós-COVID: o QR Code.
No começo, eles eram a cara do futuro, depois ficaram relegados às margens da vida cotidiana durante anos. Agora, estão em todos os lugares. No que certamente é uma das histórias de sucesso no mundo da tecnologia dessa pandemia, o resiliente QR Code é a “inovação” de pagamento do momento, que vem se popularizando e mantendo os negócios girando – sem contato físico.
Em tempos de distanciamento social e de protocolos sanitários, tudo o que é possível fazer remotamente ou sem contato ganhou aceitação vertiginosa. No dinâmico e competitivo setor de meios de pagamento, que já passava por uma profunda transformação nos últimos anos, não foi diferente, com tecnologias contactless, ou sem contato, se consolidando, tomando o lugar do dinheiro físico e dos caixas eletrônicos.
Mesmo com a população vacinada, a consciência dos consumidores sobre a limpeza com dinheiro e pagamentos certamente permanecerá. Isso significa que os pagamentos sem contato provavelmente continuarão sendo um método popular que garante uma maneira higiênica de pagar pelos produtos.
Para os comerciantes, existem três recursos principais que tornam os QR Codes adequados para pagamentos. O primeiro é a possibilidade de aceitar pagamentos com cartão em qualquer lugar e a qualquer hora. Os merchants só precisam de seus telefones celulares para receber um pagamento com cartão. Não é necessário leitor de cartão e nem mesmo uma conexão com a internet.
O segundo é a sua facilidade de integração com soluções API, podendo não só ser adicionados a um site, CRM ou impressos em uma loja, mas também podem ser usados como uma forma de direcionar o cliente a qualquer método de pagamento local. Isso é especialmente importante em um momento em que governos e reguladores têm introduzido mais leis e regulamentos, como 3DS2 e 5AMLD, com mais métodos de pagamento aparecendo com a verificação de identidade integrada à experiência do cliente.
E, finalmente, há o fator proteção. Com os QR codes, as informações confidenciais de pagamento permanecem em seu dispositivo privado, as transações são tokenizadas e criptografadas e o pagamento é enviado diretamente para o prestador de serviços financeiros do recebedor.
Desde maio do ano passado, o gigante PayPal oferece um recurso que permite que seus clientes em 28 outros países paguem por meio de seu aplicativo digitalizando um QR Code gerado pelo vendedor. As lojas Amazon Go, que estão se expandindo na América do Norte e Europa, lideram uma experiência de pagamentos no varejo em que os consumidores só precisam escanear seu QR Code exclusivo no aplicativo ao entrar no estabelecimento e pegar os produtos que desejam. Só são cobrados quando saem.
Se a adoção de novas tecnologias começa sempre pelas gerações mais novas, a pandemia disseminou os pagamentos via QR Code transversalmente na sociedade, em uma convergência entre o comércio online e offline. Pesquisa Panorama Mobile Time/Opinion Box divulgada em outubro de 2020 apontou que 48% dos brasileiros com smartphone e internet já realizaram um pagamento com QR Code. E esse número pode crescer, já que, desde 1º de julho, o Pix passou a permitir pagamentos agendados via leitura de QR Code, após uma fase de testes.
Uma grande vantagem que a ferramenta traz é a democratização quanto ao seu uso no dia a dia, já que para fazer um pagamento basta um smartphone com câmera e internet (ao contrário da tecnologia NFC, que não é liberada a outros apps em dispositivos iOS, a não ser com Apple Pay Wallet, além de não integrar telefones Android de baixo custo). Assim, com o scan to pay, mais usuários conseguem participar desse sistema de pagamento.
Ao mesmo tempo, a universalização dos pagamentos por meio da tecnologia contactless e do e-commerce tende a maturar os processos de machine learning, que possibilitarão a identificação de padrões e mudanças de comportamento dos consumidores no ato da transação. Como resultado, os clientes receberão soluções muito mais adaptadas às suas necessidades, melhorando a experiência de compra.
Toda essa evolução tecnológica no setor de pagamentos, porém, não faz sentido sem o fator segurança, com a tokenização dos dados do cartão real tendo papel crucial nesse processo, tratando e protegendo dados sensíveis para reduzir o risco de fraudes e dar mais confiança e segurança aos consumidores, comércios e bancos, já que todos são beneficiários da tecnologia. Os QR codes desempenham um papel essencial na transformação digital, seja incluindo mais pessoas no sistema financeiro e incentivando as empresas a se moverem online.
Há diversas soluções no mercado nacional que permitem que comerciantes e consumidores paguem e aceitem pagamentos sem contato, permitindo a interoperabilidade nas relações de compra por meio do uso de QR Codes de maneira digital, rápida e segura. Algumas das inovações desenvolvidas por aqui também são, inclusive, adotadas em outros mercados latino-americanos.
No Uruguai, por exemplo, a Visanet, uma das maiores redes de adquirência daquele país, adota uma solução de pagamento brasileira que substitui a máquina de POS pelo smartphone do comerciante, emitindo um QR Code para ser escaneado pelo aparelho do consumidor. Para pagar, basta que consumidor uruguaio tenha um app de carteira digital instalado em seu smartphone, também criado no Brasil.
A acessibilidade a soluções de pagamentos digitais inovadoras e seguras deve ser continuamente promovida pelas entidades reguladoras, paralelamente à disseminação de informação e conhecimento sobre o uso da tecnologia.
Nesse sentido, a agenda do Banco Central tem sido coerente na proposição de novas formas de pagamento que tenham foco na experiência de pagamento, para que ela seja cada vez mais fluída, o que abre novas possibilidades para que os integrantes do ecossistema estejam mais presentes nessa experiência, independentemente do papel que venham a desempenhar.
(*) – É head global de vendas da HST Card Technology;
(**) – É head de desenvolvimento da HST Card Technology.