Isabelle Araujo (*)
Liderança por contexto, e não por controle. Essa foi a frase que mais me marcou na minha última leitura “A Regra é não ter regras” do CEO da Netflix. Uma liderança que alinha ao invés de controlar é uma liderança que traz contexto, verdade e oportunidade de construir em conjunto. Mas será isso mesmo o que as pessoas buscam?
Minha experiência com equipe demonstra que poucos realmente gostam da autonomia em 100%, ou melhor, poucos se adaptam a esse tipo de gestão. Por muitas vezes, afirmamos que não gostamos de rotina e repetição. Mas, na prática, é extremamente desconfortável ter problemas o tempo todo para resolver, ter que tomar decisões e se responsabilizar pelas consequências. Sem falar em ter que manter a motivação e consistência para assegurar a produtividade necessária.
Portanto, dizer que quer autonomia e está disposto a desenvolver todas as skills necessárias para lidar com o peso da responsabilidade recebida são desafios quase opostos. No limite, ter autonomia é sobre tomar risco. E tomada de decisão e consequência nem sempre estão em linha com as metas pré-definidas que temos no dia a dia de uma empresa. É pela aversão a riscos que muitos têm preguiça de empreender. Evitam conversas difíceis, têm baixa entrega no trabalho, tudo intimamente relacionado à nossa capacidade de se arriscar.
De um lado temos o que dizemos, do outro o que fazemos. E liderar é sobre lidar com todas as facetas humanas, as ditas e as não ditas. Um tanto quanto filosófico, eu sei, mas é importante ter isso em mente para seguirmos por aqui.
Percebo que quando entrei no mercado formal de trabalho, há cerca de oito anos, a escola que a liderança da época possuía era a de muito controle e pouca autonomia.
Times limitados aos “to do’s”. Muito microgerenciamento de tarefas, baixa capacidade de adaptação, e de tomar decisões. Um time executor. Com o passar do tempo, vieram as novas necessidades e nova geração de liderança. Além da entrada dos millennials no mundo corporativo, muita coisa tem mudado.
Não trabalhamos mais por “to do’s”, mas sim quando temos significado e pertencimento com aquilo que nos foi proposto. Um time missionário. Por isso, saímos do fazer para o porquê fazer. E os novos líderes foram permitindo as equipes a autonomia com contexto. Foi aí que o até então time executor passou a ser um time de donos.
O dono precisa ter entendimento do negócio, informações e dados, para definir até onde está disposto a arriscar. O dono quer construção de longo prazo. Legado e perpetuidade daquilo que se dedicou. Quer crescimento, participação na visão de futuro do negócio. E acredito que somente com esse valor instaurado na cultura do time, a autonomia vale a pena.
Para ter um time de donos, é preciso deixar a equipe livre para tomar decisões, arcando com a responsabilidade das suas escolhas. Buscar pessoas que estejam dispostas a colocar a pele em jogo. Questionar, tomar risco e mudar o que for preciso, sem tirar o foco do objetivo maior.
Se você ainda está em dúvida se essa liberdade toda funciona em equipe, te convido a imaginar o mundo daqui alguns anos no seguinte formato: total acesso a dados, tecnologia em escala global, machine learning e muita sofisticação na tomada de decisão. As equipes vencedoras serão as que dependem de um visionário ou de um time inteiro de donos?
Sem dúvidas, prefiro apostar nos donos. Várias cabeças pensantes se preocupando com o negócio, ao invés do siga o mestre sem questionar. A verdade é que o futuro chegou. E se adaptar a ele inclui uma revisão dos nossos valores, comportamentos e hábitos.
Empresas e times que não se comprometerem com a humildade da adaptação, a coragem da tomada de decisão ágil e o mindset aberto para errar e aprender já estão em déficit com o novo mundo. Liberdade com responsabilidade. Contexto com confiança. É lá que queremos chegar.
(*) – É Diretora de Operações da TotalPass, empresa de benefício corporativo para a prática de atitivdade física.