Tayná Bregnoli (*)
Buscando adequar as tendências de trabalho remoto após a pandemia (ainda que ela não tenha acabado de fato), o governo brasileiro publicou a resolução CNIG nº 45, em 24 de janeiro de 2022, que dispõe sobre a nova modalidade de visto temporário e autorização de residência. Trata-se da situação em que imigrantes trabalham de forma remota, com a utilização da tecnologia e da internet, para empregadores estrangeiros e desejam residir no Brasil.
Seguindo uma tendência mundial, haja vista que cerca de 25 países adotaram vistos específicos para nômades digitais, dentre eles, Estônia, Portugal, Alemanha, Espanha, México e Austrália e a nossa vizinha Argentina, o Brasil aderiu à regulamentação. A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, em parceria com a Riotur, já oferece um programa de incentivos para hotéis e hostels com tarifas especiais para o cliente que aderir a pacotes de longa permanência.
A prática que já era bastante conhecida, mas foi potencializada na pandemia, deve ter alguns pontos de atenção. O primeiro deles se refere à legislação migratória local. Em geral, o prazo de estadia com um visto de visita, é de 90 dias, prorrogáveis por igual período, a depender da reciprocidade entre os países.
Para períodos mais longos, é imprescindível que o imigrante realize os procedimentos de regularização migratória, seja em repartição consular do Brasil no seu país de origem ou diretamente no Brasil, junto ao Conselho Nacional de Imigração – CNIG, mediante a apresentação de documentos que comprovam a sua condição de nômade digital, sendo eles:
· Declaração do requerente atestando a sua capacidade de trabalhar remotamente por meio de tecnologias;
· Contrato de trabalho ou de prestação de serviços ou outros documentos que comprovem o vínculo com empregador estrangeiro;
· Comprovação de meios de subsistência, devendo ser remunerado em montante mensal igual ou superior a US$ 1.500,00 (mil e quinhentos dólares) ou disponibilidade de fundos bancários no valor mínimo de US$ 18.000,00 (dezoito mil dólares).
· Demais documentos exigidos pela Legislação Migratória, como passaporte e antecedentes criminais.
O prazo para ser um imigrante “nômade digital” no país será de até 1 (um) ano, podendo ser prorrogado pelo mesmo período da autorização anterior. Não será considerado “nômade digital” o imigrante que exerça atividade laboral, com ou sem vínculo empregatício, para empregador no Brasil ou cuja autorização de residência para exercício de atividade laboral no País esteja regulamentada em outro normativo do CNIG.
Nesse sentido, considerando que o vínculo deve ser formalizado com empresa estrangeira, o imigrante que deseja permanecer temporariamente no Brasil trabalhando de forma remota não terá amparo na legislação trabalhista. Portanto, a empresa estrangeira que mantiver o “nômade digital” em território brasileiro deverá redobrar os cuidados para que não se caracterize o vínculo de emprego, evitando, por exemplo, o contato presencial e recorrente em sede da empresa brasileira (se houver), além de evitar vinculação hierárquica à estrutura brasileira.
Para as movimentações nacionais, ainda que o termo “nômade digital” esteja em evidência, é necessário salientar que o colaborador vinculado à empresa brasileira deve sempre comunicar a organização sobre a sua atual condição de trabalho remoto, especialmente por conta das obrigações trabalhistas.
A Reforma Trabalhista introduziu um novo capítulo na CLT dedicado exclusivamente ao tema. Tudo que envolve o trabalho a distância, em contratações formais, deve constar em contrato, tais como a ajuda de custo com internet, reembolsos de despesas, benefícios, fornecimento de equipamentos, segurança de dados etc.
Apesar dos pontos de atenção em relação às questões trabalhistas, é inegável que o nomadismo digital e o conceito de “anywhere office” trazem impulsos econômicos, criação de novos negócios e novos serviços, mas também geram obrigações de cunho fiscal. Sobre o aspecto fiscal, inclusive, é necessário ter cautela, já que dependem não só da lei do país de origem do imigrante, mas também do país de destino. Do ponto de vista fiscal, a legislação brasileira não distingue brasileiros e imigrantes, mas sim residentes e não residentes.
Em regra, os imigrantes que se tornam residentes brasileiros para fins fiscais são tributados sobre sua renda global e estão sujeitos às mesmas deduções e isenções aplicadas para os demais residentes, que em alguns casos incluem as deduções de despesas médicas e gastos com educação pagos fora do Brasil, assim também como precisam declarar bens e direitos que possuem no Brasil e no exterior.
Consideram-se residentes, de fato, as pessoas físicas que tenham efetivamente permanecido no país ou dependência por mais de 183 dias, consecutivos ou não, no período de até 12 meses, ou que comprovem que ali se localiza a residência fiscal habitual de sua família e a maior parte de seu patrimônio. Até o momento, não há nenhuma regulamentação da Receita Federal sobre a nova modalidade de visto.
Já os brasileiros que decidem viver no exterior devem fazer a Declaração de Saída Definitiva do País a fim de evitar a bitributação, a depender do período de estada do país de destino. Ao encerrar a residência fiscal, cumprindo as diversas obrigações previstas em legislação específica, o contribuinte não estará obrigado a apresentar declarações de ajuste anual no Brasil enquanto mantiver a condição de não residência.
Em um mundo cada vez mais globalizado, com troca automática de informações e acordos internacionais, a probabilidade de as autoridades fiscais no Brasil receberem a informação de que seus residentes fiscais possuem ativos no exterior aumenta a cada dia, de sorte que podem lavrar autuações em que os contribuintes sequer tinham conhecimento de que a residência fiscal foi configurada.
Logo, faz-se necessária a adoção de estratégias de mobilidade global acerca das normas migratórias, trabalhistas e fiscais com o intuito de mitigar riscos aos que desejam adotar o estilo de vida nômade. O nomadismo digital ganhou força com a pandemia e já soma mais de 35 milhões de adeptos pelo mundo. Segundo o Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 divulgado pela Fragomen, é estimado que até 2035 existam cerca de 1 bilhão de nômades digitais.
Enquanto algumas empresas planejam um retorno ao trabalho presencial com a flexibilização das medidas de isolamento, outras perceberam as vantagens do trabalho remoto e continuarão permitindo que seus funcionários desempenhem suas atividades de casa ou de qualquer lugar do mundo.
Dessa forma, em que pese as iniciativas relacionadas à regulamentação de visto temporário e autorização de residência para imigrantes que desejam se tornar nômades digitais no Brasil, ainda não há, por parte da Receita Federal, incentivos para que o imigrante não seja tributado no país após o período de 6 meses, o que pode trazer insegurança jurídica, além de riscos ao profissional.
(*) – É sócia do Vigna Advogados, área de Imigração e Investimentos Estrangeiros (https://vigna.adv.br/).