Aline Riquetti (*)
O uso de inteligência analítica aplicada às eleições não é uma novidade. Os primeiros estudos datam de 1916, quando a revista “Literary Digest” conduziu uma pesquisa nacional de preferência de votos nos Estados Unidos. Desde então, a utilização de modelos preditivos na definição de estratégias de campanhas passou a ser uma tendência nas eleições, com uma visível ampliação do escopo de uso desses recursos tecnológicos.
Segundo revelou ‘ABC 7 Los Angeles Eyewitness News’ entre janeiro de 2019 e 24 de outubro de 2020, os candidatos Donald Trump e Joe Biden investiram juntos mais de U$ 200 milhões de dólares em anúncios personalizados do Facebook.
Entretanto, é impossível mencionar o uso de dados na definição de campanhas eleitorais e não aludir ao escândalo de 2018 envolvendo o Facebook, a Cambridge Analytica e a campanha de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.
À época, foi revelado pela mídia que as informações de mais de 50 milhões de usuários da rede social foram utilizadas pela Cambridge Analytica sem o seu consentimento para definição de campanhas eleitorais que ajudaram a eleger Donald Trump em 2016.
Esse acontecimento iniciou uma intensa discussão em diversos países, inclusive no Brasil, acerca dos limites legais para obtenção e uso de dados. Dentre os desdobramentos desses debates, se encontra a Lei Geral de Proteção aos Dados (LGPD).
- Aplicações analíticas para estratégias de campanhas – Porém, uma vez que os dados tenham sido obtidos observando os preceitos legais, é possível utilizá-los de diversas maneiras a fim de entender quais eleitores devem prioritariamente ser abordados, como abordá-los, quando abordá-los e através de qual canal deve ser essa interação. Confira algumas aplicações possíveis:
- – Identificação da tendência de voto do eleitor – Além de capturar informações acerca do panorama das eleições, as pesquisas de opinião também coletam outros dados sobre os entrevistados, como gênero, idade, formação etc.. Essas informações podem ser utilizadas de forma estratégica a fim de compreender o perfil do eleitor vinculado a cada candidato, bem como o perfil dos indecisos.
Dessa maneira, é possível treinar modelos supervisionados que deverão mapear as características que diferenciam um eleitor indeciso daquele que já tomou sua decisão. A partir de então, para outros eleitores, os modelos supervisionados deverão predizer a sua classificação, ou seja, decidido ou indeciso.
Assim, é mais razoável que um candidato empenhe esforços em angariar votos de um eleitor classificado como indeciso, do que de um eleitor decidido a favor de um adversário, ou mesmo que dissipe esforços para conquistar um voto que ele já possui.
- – Micro segmentação – As técnicas de micro segmentação baseiam-se na transmissão de propaganda personalizada para um subgrupo de eleitores. Para segmentar os eleitores utilizam-se técnicas capazes de agrupar indivíduos de tal maneira que elementos do mesmo grupo sejam semelhantes entre si, e diferente dos elementos dos demais grupos.
O objetivo é identificar tópicos de interesse e posicionamentos daqueles subgrupos direcionando mensagens positivas acerca dos planos de governo de determinado candidato a fim de angariar votos. Esse conhecimento possibilita entender, por exemplo, qual o meio de comunicação mais utilizado através do qual a mensagem mais possivelmente será ouvida.
Além disso, essa análise de perfil poderá auxiliar o candidato a entender quais são as demandas/reivindicações mais emergentes de cada grupo. Dessa maneira, por exemplo, se um determinado grupo estiver mais preocupado com questões como a situação econômica do país, então ele poderá ser contactado com informações acerca das propostas de governo na área econômica.
Caso ele seja mais interessado em questões ambientais, então a mensagem será personalizada neste sentido. Entretanto, convém ressaltar que embora o tema das propagandas possa ser personalizado conforme o interesse do eleitor, isso não implica em criar diferentes versões de um posicionamento político para o mesmo tópico conforme a inclinação do eleitor.
- – Campanhas demográficas – Embora campanhas que utilizem a micro segmentação disponham de uma diversidade maior de características individuais do eleitor, nem sempre o acesso a essa informação é factível. Nesses casos, o candidato poderia recorrer a campanhas regionais que direcionam a mensagem conforme o perfil demográfico daquela localidade.
A título de exemplificação, se em uma determinada localidade fossem observados índices de criminalidade elevados, então a propaganda política naquela região poderia apresentar os planos de governo no que se refere à pauta de segurança pública. Para outra, com problemas mais acentuados de desemprego, então a mensagem seria relativa aos planos de desenvolvimento econômico.
Portanto, nesse caso, ainda haveria uma personalização dos discursos, mas, dessa vez, agrupando os eleitores conforme interesses de seu local de origem.
- – Séries Temporais para identificar tendências regionais – Uma série temporal é um conjunto de observações ordenadas no tempo. E a tendência é uma de suas características, ou seja, se ela possui um comportamento no longo prazo estável, crescente ou decrescente, e se for o caso, a grandeza desta inclinação.
Neste caso, é compreensível que um candidato queira atuar de maneira mais enérgica em localidades onde a série histórica obtida por meio de pesquisas de intenção de voto indiquem uma tendência decrescente em favor desse candidato.
Nesse caso, convém uma atuação mais presente do aspirante a fim de reverter a tendência da série, interrompendo sua atuação apenas quando houver indícios de uma inclinação crescente nas intenções de voto. Como em qualquer situação, uma vez gerados os resultados, não há como a tecnologia restringir o uso das informações de maneira indevida ou desonesta.
Apesar de existirem diretrizes por parte dos fabricantes de tecnologia que visam assegurar uma inteligência artificial consciente e responsável, esta tarefa compete aos reguladores e, no caso do emprego em estratégias de campanhas eleitorais, também aos órgãos que compõem a Justiça Eleitoral, que deverá impor limites para o uso ético e legítimo da tecnologia.
Quando utilizada de forma responsável, a inteligência analítica alinha as preferências dos eleitores às propostas de governo dos candidatos, aumenta o engajamento entre as partes, além de auxiliar os candidatos a conhecerem melhor as demandas e interesses da população.
(*) – É Customer Advisor para o setor público do SAS (https://www.sas.com/pt_br/home.html).