André Gatti (*)
Em meados de 2019 havia grande expectativa de que o leilão de licenças das frequências para a tecnologia 5G seria realizado em março de 2020, mas o que ocorreu não foi exatamente isso. Somente no mês de fevereiro a Anatel submeteu a consulta pública a proposta de edital para o leilão do 5G. Com isso, a expectativa agora é que o leilão se dê no fim deste ano ou até mesmo em 2021. Apesar desse cronograma mais demorado, parece haver consenso no mercado de que realmente existem alguns pontos importantes a ser resolvidos para que o leilão seja bem-sucedido.
Um deles, que parece ter sido endereçado no edital submetido a consulta pública pela Anatel, é a previsão de leilão de blocos regionalizados, reservando espectro para prestadores de pequeno porte (PPPs) e também para possíveis novos entrantes. Isso permitirá que a tecnologia 5G chegue mais rapidamente a regiões que não seriam atendidas inicialmente pelas grandes operadoras, as quais, naturalmente, devem focar investimentos iniciais nas áreas mais populosas e rentáveis.
Outro ponto que não está diretamente ligado ao leilão, mas tende a afetar o volume de investimentos das operadoras no 5G, é a possibilidade da migração do modelo de concessão para o modelo de autorização pelas operadoras de telefonia fixa, pois isso pode liberar investimentos em fibra, essenciais para a infraestrutura de transporte do 5G. Nesse ponto, foi aprovado em 2019 o PLC 79, que ainda precisa ser regulamentado, incluindo a definição de como serão calculados os valores dos bens reversíveis.
O edital da Anatel também trata de um tema polêmico ao citar que a “utilização da faixa de 3,5 GHz por sistemas móveis terrestres implica potencial interferência dos sinais de TV aberta e gratuita recebida por meio de sinais de satélites, fazendo-se necessária a adoção de medidas para seu tratamento”. A resolução dessa questão é essencial para a liberação de espectro para o leilão, mas existem divergências em relação ao número de domícilios que seriam afetados, qual a melhor estratégia para tratar o problema e os custos envolvidos.
A quantidade de domicílios que utilizam a TV aberta por satélite varia entre regiões (áreas com menor cobertura da TV aberta dependem mais do satélite), não existem controles por parte das emissoras de TV ou do Estado sobre quem utiliza antenas parabólicas para recepção dos canais via satélite (as antenas são compradas livremente no mercado) e existem domícilios que também têm o sinal de TV via DTH (ou seja, TV paga via satélite). Por isso a dificuldade de calcular a quantidade de domicílios que seriam realmente afetados, embora estimativas mais recentes apontem para cerca de 3 milhões.
Quanto à solução a ser adotada, foram feitos progressos importantes em testes recentes e se constatou a possibilidade da utilização de filtros para mitigar as interferências do 5G na TV aberta por satélite, evitando a necessidade de migração do sinal de TV para outra banda de satélite, a banda Ku, o que significaria a necessidade de um equipamento novo para os usuários da TV aberta via satélite. De qualquer forma, o edital prevê que os custos para solução desse problema sejam pagos pelas empresas vencedoras do leilão do 5G.
As operadoras também aguardam com grande expectativa uma definição sobre a legislação para instalação de antenas, que, atualmente, é de responsabilidade dos municípios e vista como uma grande barreira para o 5G, que exigirá um número muito maior de antenas do que o utilizado pelas tecnologias atuais. Uma alternativa em análise é a do silêncio positivo, que nada mais é do que, na ausência de resposta para uma solicitação de licenciamento de antena, as operadoras poderiam iniciar a instalação em caráter provisório. Também se discute a necessidade de licenças para pequenas antenas, que podem ter papel importante no 5G.
Além de todas essas questões, as operadoras ainda tentam influenciar o governo para que o leilão não tenha caráter arrecadatório, onerando o valor das licenças, mas exista um foco maior em contrapartidas de investimentos e de cobertura por parte dos vencedores. Por todos esses fatores, o leilão vai demorar mais do que o previsto para ser realizado. As operadoras também já declararam publicamente que não pretendem fazer uma corrida por causa do 5G, e, em anúncios recentes de algumas operadoras sobre o plano de investimentos, não foram indicadas variações significativas para 2020 por causa do 5G.
A pergunta que fica é: o que as operadoras devem fazer para se preparar para quando esse momento chegar? Apesar de ainda não existirem modelos de negócio muito claros para monetização do 5G, é fato que essa tecnologia permitirá a criação de aplicações com os mais diversos requisitos de conectividade, incluindo velocidade e latência, e também será o viabilizador para o IoT. O conceito de network slicing (fatiamento de rede) também permitirá a priorização de serviços na rede, de acordo com a característica de cada serviço. Mesmo sabendo que, inicialmente, o 5G deve atender a demandas específicas de algumas indústrias, todas as operadoras já têm feito testes relacionados ao 5G.
Além dos testes tecnológicos, é essencial que as operadoras utilizem esse tempo para planejar modelos de negócio que possam monetizar seus investimentos. Aquelas que deixarem para avaliar o potencial da tecnologia somente após a aquisição de licenças certamente estarão atrasadas em relação a suas concorrentes. O momento é de avaliar as novas possibilidades de serviços e parcerias que serão viabilizados com o 5G.
Finalmente, as operadoras precisam também planejar os impactos que o 5G trará para seu ambiente de TI, pois o time-to-market será importante para recuperar investimentos que não devem ser baixos.
(*) – É diretor de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia da Cognizant no Brasil (www.cognizant.com.br).