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Travessia longa até um trânsito civilizado no país

em Especial
sexta-feira, 25 de agosto de 2017
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Travessia longa até um trânsito civilizado no país

O Código de Trânsito Brasileiro é claro: “Os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Na prática, entretanto, essa proteção é frágil. Segundo o Ministério da Saúde, em 2015, 18% dos mortos em acidentes de trânsito eram transeuntes. Esse ambiente feroz foi lembrado em 8 de agosto, quando se comemorou, mas de maneira crítica, o Dia ­Internacional do Pedestre

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Calçadas esburacadas são um dos obstáculos que pedestres encontram nas ruas

Nelson Oliveira/Ag. Senado/Especial Cidadnia

Calçadas esburacadas, semáforos que privilegiam os motoristas, desrespeito à faixa de pedestre, excesso de velocidade, inexistência de fiscalização pelo poder público e invasão dos espaços por veículos são alguns dos problemas enfrentados por quem anda a pé no Brasil.
Até mesmo em Brasília, cidade planejada e a primeira do país a consolidar uma cultura de respeito à faixa de pedestre, a mobilidade do transeunte ainda não está ­suficientemente equacionada.
— Infelizmente não temos muito o que celebrar. O pedestre tem uma situação muito precária. Se para uma pessoa sem dificuldade de locomoção, transitar a pé é difícil, para um deficiente físico ou visual é praticamente impossível. Existe uma total inacessibilidade — diz o integrante do coletivo Brasília para Pessoas Uirá Lourenço.
A realidade é tão adversa que o ativista e seu grupo costumam desenvolver ações como registrar em foto e vídeo carros estacionados irregularmente, multá-los simbolicamente e mesmo consertar calçadas.
Lourenço desenvolve uma atividade constante nas redes sociais denunciando, por exemplo, a falta de travessias seguras nas avenidas de Brasília.

mortesPanorama nacional
Adversidades para o pedestre se generalizam no país. Entre 2000 e 2015, morreram 148,2 mil pessoas atropeladas no Brasil. E os números anuais não têm sofrido queda expressiva, dado o espaço de 15 anos: foram 8.696 no ano 2000, chegaram a 10.320 em 2005 e caíram a 6.979 em 2015. Entre 2000 e 2015, portanto, a diferença é de 19,7%.
Se avaliados caso a caso, os números dos estados têm exibido indicadores que permitem sonhar, mas de forma comedida, com um trânsito mais civilizado. Entre 2000 e 2015, das 21 unidades da Federação, 18 reduziram o número de pedestres mortos por atropelamentos. Em média, a queda foi de 32%. Alagoas mostrou uma redução considerável: passou de 312 mortes em 2000 para apenas 48 em 2015.
O resultado positivo deve ser comemorado, afirma o consultor legislativo do Senado da área de transportes Rodrigo Novaes. Para ele, a consciência e o respeito aos pedestres e aos ciclistas estão em processo de formação.
— Esse avanço na estatística de pedestre é meritório. Hoje nós vemos o ciclista como um elemento do trânsito, o que há 15 anos era impossível — disse.
Na contramão, estão os estados do Pará, Maranhão, Piauí, Paraíba, Bahia, São Paulo e Mato Grosso do Sul, que registraram, em média, aumento de 34% no número de pedestres mortos entre 2000 e 2015. Rondônia ­registrou, no mesmo período, 155% a mais de atropelamentos fatais.
O contraste no cenário nacional é atribuído às diferentes formas de aplicação da lei. O trânsito é regido por uma lei federal, no entanto, a fiscalização e as autuações são de responsabilidade das prefeituras e, no caso das BRs, da Polícia Rodoviária Federal, explica Novaes.
— O trânsito varia muito porque é preciso levar em consideração fatores como a geografia do munícipio, a vontade política dos governantes, a história e até mesmo a economia das cidades e também as velocidades máximas permitidas nas vias que cortam as cidades.

No Distrito Federal, o número de mortes por atropelamentos diminuiu 34% entre 1997 e 2016, ao mesmo tempo em que a frota de veículos aumentou 288%. A queda é menor quando se observa o intervalo de 15 anos, entre 2000 e 2015: 31,4%, de 172 para 118 mortes, com diminuição mais firme a partir de 2011. O problema é que entre 2015 e 2016 houve aumento de 12,7%.

mortes atropelamentosA diminuição no número de mortes por atropelamentos no Distrito Federal se situa em média próxima à de alguns estados como Rio Grande do Sul e Pernambuco. É possível traçar uma linha divisória para demarcar eras distintas no trânsito do DF. A atual começou em 1997 com a campanha Paz no Trânsito.
Mesmo assim, em 2016, dos 365 acidentes com vítimas fatais, 128 foram atropelamentos de pedestres, em razão dos quais 133 pessoas morreram, 5 delas enquanto atravessavam a faixa, conforme o Detran. Em 2015, o DF havia registrado 118 mortes por atropelamento, segundo o Ministério da Saúde.
No primeiro semestre deste ano, 48 pessoas morreram atropeladas no DF. Joel Vitor Sena, de 18 anos, integra a triste estatística. Em 4 de julho, por volta das 19h, ele saiu para lanchar com mais três amigos no Riacho Fundo, cidade do DF. Durante o percurso, o grupo precisou atravessar a movimentada Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB). Quase em frente a uma parada de ônibus, não havia nenhuma faixa de pedestre ou semáforo próximo. O trânsito congestionado, com carros que não alcançavam a velocidade de 10 quilômetros por hora, passou a ideia de segurança, conta Washington Lucena, amigo de Sena e companheiro de infortúnio.
— A gente atravessou as duas pistas e já estávamos chegando à calçada quando um Palio branco apareceu, do nada, na faixa exclusiva para ônibus. O carro estava muito rápido. Não deu tempo. Ele atropelou o Joel e bateu na minha perna. Infelizmente, eu perdi um amigo e, hoje, quase dois meses depois, ainda não consigo fazer movimentos fortes por causa da lesão muscular — lamenta o estudante de educação física.

Paz no Trânsito
Em meio à indisciplina dos motoristas e passadas duas décadas, há um aparente esquecimento daqueles 90 dias efervescentes quando Brasília viveu a campanha Paz no Trânsito. De janeiro a abril de 1997, os motoristas brasilienses foram ostensivamente ensinados a respeitar a faixa de pedestre. Encabeçada pela polícia militar, a empreitada contou com o apoio do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que na época era governador do DF, e do jornal Correio Braziliense, que deu grande cobertura à operação deflagrada pela PM.
— Quem avançava na faixa recebia uma carta em casa de advertência — relembra a jornalista Ana Júlia Pinheiro, que escreveu a primeira série de reportagens do Correio sobre a campanha.
A partir de 1º de abril de 1997, os motoristas que não dessem passagem aos pedestres passaram a ser multados. Conforme a jornalista, o coronel Renato Azevedo, mentor da campanha, acreditava que o respeito à faixa, após a fiscalização, ficaria ­entranhado na cultura da cidade.
Cristovam recorda que o trabalho de educação nas escolas também foi importante.
— Nós convencemos as crianças sobre a importância do respeito à faixa de pedestre e elas nos ajudaram ao influenciarem a prática correta no comportamento dos pais. Respeitar o pedestre não é um problema de trânsito, é de educação — afirma o senador.
A campanha Paz no Trânsito também se preocupou com o comportamento dos pedestres. A PM conscientizou a população sobre a necessidade do “sinal de vida” — ato de levantar o braço ao atravessar a faixa. Essa comunicação entre pedestre e motorista tornou-se, então, um hábito.
Impressionada com o caso de sucesso em Brasília, a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) propôs um projeto que institui o “sinal de vida” em todos os estados. O PLC 26/2010 está com o relator, senador Valdir Raupp (PMDB-RO), na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
O diretor de Educação de Trânsito do Detran-DF, Álvaro Sebastião Ribeiro, informa que o órgão não tem uma posição fechada quanto a isso. Ele, porém, é um admirador da prática.
— Aqui no DF deu certo. Quem sabe esse não é um caminho para todo o Brasil?

Calvario