Respeito ao limite de cargas pode aumentar em até seis meses vida útil de rodovia
Monitoramento na Fernão Dias apontou que quase 24% dos caminhões levavam carga acima dos limites da lei
Durante o período do estudo, alguns grupos de veículos chegaram a ultrapassar até 60% do limite legal de carga. Foto: Marcos Santos / USP Imagens
A pesquisadora do Departamento de Engenharia de Transportes (PTR) da Escola Politécnica (Poli) da USP Mariana Bosso verificou como o excesso de carga prejudica a qualidade e a duração da pavimentação, traduzindo esse impacto em números. O trabalho foi feito em uma parceria do Laboratório de Tecnologia de Pavimentação (LTP) da Poli com a concessionária Arteris, e o objeto de estudo de Mariana Bosso foi a Rodovia Fernão Dias, que liga os Estados de São Paulo e Minas Gerais.
Números
O monitoramento contínuo do tráfego durante um período de 17 meses resultou em um amplo banco de dados sobre as cargas circulantes na rodovia, sendo monitorados cerca de 1,400 milhão de veículos. Destes, quase 24% levavam carga acima dos limites permitidos pela lei – chegando a ultrapassar, para alguns grupos de veículos, 60% do limite.
Aumento da deformação horizontal conforme a carga aplicada. Gráfico: Mariana Bosso
No trecho experimental, o aumento da carga acarretou aumento nas deformações observadas na fibra inferior da camada asfáltica. Excessos de carga de 10% (tolerância legal vigente) e 20% resultaram em valores de deformações até 17% maiores quando comparados ao cenário de carga no limite ideal.
Outra medida relacionada à diminuição da vida útil é a fadiga, que é a deterioração do material quando solicitado repetidamente por um carregamento, resultando no aparecimento de fissuras e trincas na camada de revestimento asfáltico dos pavimentos. O estudo observou defeitos em proporções que comprometiam as estruturas bem antes do tempo previsto em projeto.
Foi possível concluir que o tráfego com excesso de carga acelera a degradação dos pavimentos em até 23%. No cenário ideal onde o limite legal fosse cumprido, a estrutura aguentaria por quase seis meses a mais que o cenário real (12 meses).
Fiscalização
A pesquisa que deu origem à sua dissertação de mestrado foi baseada na coleta de dados de uma balança de pesagem em movimento instalada na Rodovia Fernão Dias, considerada como uma inovação tecnológica no País, pois é capaz de fazer a pesagem diretamente na faixa de rolamento com os veículos em alta velocidade. Hoje a balança funciona apenas a nível gerencial, para caracterização e monitoramento do tráfego. No entanto, há estudos internacionais relatando o uso da tecnologia para fiscalização direta e contínua do excesso de carga. No Brasil, a fiscalização ocorre nos postos de pesagem veicular ativos, esses usualmente com horários de funcionamento restritos e previsíveis, induzindo a passagem dos veículos com sobrecarga nos horários em que os postos de pesagem não estão funcionando.
As rodovias são o principal modo de transporte de passageiros e mercadorias no Brasil. Segundo dados de 2017 da Confederação Nacional do Transporte (CNT), a malha rodoviária brasileira possui mais de 1,7 mi de quilômetros de extensão, e nela circulam mais de 600 mil transportadores. Foto: Marcos Santos / USP Imagens
A engenheira explica que, ao projetar a estrutura do pavimento, o engenheiro leva em conta uma estimativa da carga que a construção irá suportar, e para isso se pressupõe que os limites de carga sejam seguidos. Em sua pesquisa de campo, ela percebeu que essas leis muitas vezes não são respeitadas. “Fizemos uma estrutura de trecho experimental na pista, com materiais que já conhecemos, e então acompanhamos o quanto ele degradava com tráfego real.” Os dados de tráfego foram correlacionados com os defeitos observados, concluindo-se que o excesso de carga nas rodovias penaliza o transporte rodoviário ao acelerar a degradação da estrutura do pavimento.
Premiação internacional
Com o artigo fruto de sua dissertação, intitulado Impact of overloaded vehicles on asphalt pavement fatigue life, Mariana receberá o Prêmio Jovem Pesquisador, da International Society for Weigh-in-motion (ISWIM), durante a International Conference on WIM (ICWIM), congresso em que são discutidas as práticas e aplicações dos dados de balança de pesagem em movimento.
Sua pesquisa foi desenvolvida em conjunto com as professoras do Departamento de Engenharia de Transportes, Kamilla Vasconcelos, orientadora do mestrado, e Liedi Légi Bariani Bernucci, a professora Linda Lee Ho, do Departamento de Engenharia de Produção, e o aluno de iniciação científica Rafael Mota.
Segundo Mariana Bosso, a apresentação no Congresso da ISWIM visa mostrar as diferenças entre o cenário ideal, no qual todos os caminhões estariam dentro da carga máxima legal, e a realidade, demonstrando o quanto o pavimento poderia ter sua vida útil prolongada.
Para sua orientadora, Kamilla Vasconcelos, a pesquisa se destacou por mesclar o academicismo e a prática de mercado. “Para esse prêmio, o trabalho não entra só pela questão técnica, mas também pelo perfil do aluno, que está inserido no mercado e vem tentando trazer tecnologias mais modernas para dentro das empresas. Acredito que eles olharam os dois lados, a contribuição acadêmica do trabalho e a atuação em mercado.”
A pesquisa mencionada foi financiada por meio dos Recursos para Desenvolvimento Tecnológico (RDT) da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em parceria entre o Laboratório de Tecnologia de Pavimentação, Laboratório de Estruturas e Materiais Estruturais, ambos da Poli-USP, e o Grupo Arteris. Esses recursos são verbas anuais que estão previstas nos contratos de concessão de rodovias federais destinadas à aplicação em pesquisas na área de engenharia rodoviária. O mesmo visa a promover a modernização da infraestrutura, além do desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias nas concessões de rodovias federais (Jornal da USP).