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Cérebro induz à escolha de alimentos calóricos para armazenar energia

em Especial
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
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Cérebro induz à escolha de alimentos calóricos para armazenar energia

A sensação de prazer proporcionada pelo consumo de um doce e o valor calórico desse tipo de alimento evocam vias diferentes do cérebro. Por isso, ao ter que escolher entre comer algo com sabor desagradável,
mas calórico, e um alimento mais palatável, porém sem calorias, alguns animais vertebrados
podem fazer a primeira escolha, priorizando energia para assegurar sua sobrevivência.

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Elton Alisson/Agência FAPESP

A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores da Yale University, em colaboração com colegas do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e do Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC. O estudo, publicado na edição on-line da revista Nature Neuroscience e destacado pelo jornal inglês The Telegraph, teve participação de Tatiana Lima Ferreira, pesquisadora do CMCC-UFABC.

A pesquisadora obteve uma Bolsa no Exterior da FAPESP para realizar pesquisa de pós-doutorado em Yale, no laboratório coordenado pelo brasileiro Ivan Eid Tavares de Araújo, responsável pelo estudo.

“Observamos que há diferentes circuitos neuronais em uma mesma região cerebral envolvidos na percepção da sensação de prazer proporcionada pela ingestão de um alimento doce que são diferentes, por exemplo, daqueles que codificam a caloria desses alimentos”, disse Ferreira.

Por meio de uma série de experimentos com camundongos, os pesquisadores identificaram que a sensação de prazer da ingestão e o valor calórico e nutricional dos alimentos evocam circuitos neuronais do estriado – uma região do sistema subcortical, no interior do cérebro, pertencente aos gânglios de base. Os circuitos neuronais dessa região do cérebro envolvidos na percepção dessas duas características, contudo, são distintos.

alimentos-calorias2 temprorioEnquanto os circuitos neuronais da parte ventral do estriado são os responsáveis pela percepção da sensação de prazer (hedonia) proporcionada pelo sabor doce, os neurônios da parte dorsal são encarregados de reconhecer o valor calórico e nutricional dos alimentos adocicados.

“Estudos anteriores do grupo de pesquisadores em Yale com o qual eu colaboro já haviam relatado que circuitos do estriado e os neurônios dopaminérgicos [que produzem o neurotransmissor dopamina, associado ao prazer e à recompensa] que enervam essa região cerebral poderiam estar envolvidos com o reconhecimento dessas características dos alimentos: a do valor nutricional e o gustativo”, disse Ferreira. “Mas ainda não se sabia se os circuitos da parte dorsal e os do lado ventral do estriado estariam ou não envolvidos igualmente na percepção dessas duas características”, ponderou.

Circuitos distintos
A fim de identificar quais circuitos neuronais do estriado estão envolvidos na percepção específica desses atributos dos alimentos, os pesquisadores realizaram um experimento para quantificar a liberação de dopamina na região do estriado de camundongos após serem expostos a substâncias doce com e sem caloria. Para isso, os animais lambiam o bico de um bebedouro com adoçante e recebiam doses de soluções contendo açúcar (D-glicose) ou um adoçante também não calórico (sucralose), injetadas diretamente no estômago.

Estudo explica por que ao ter que escolher entre comer algo com sabor desagradável, mas calórico, e um alimento mais palatável, porém sem calorias, alguns vertebrados fazem a primeira escolha. Os resultados do experimento indicaram que houve um aumento da liberação de dopamina no estriado ventral durante a ingestão do adoçante independentemente de qual solução estava sendo administrada no sistema digestivo dos animais – se era açúcar ou adoçante. “Os circuitos neuronais dessa região do cérebro não discriminam se o alimento que está sendo ingerido tem ou não caloria. Basta que o alimento seja palatável para a dopamina ser ativada nessa região cerebral”, disse Ferreira.

Em contrapartida, houve um aumento da liberação de dopamina na região do estriado dorsal somente quando a ingestão do adoçante foi acompanhada por infusão intragástrica de açúcar – o que sugere que os circuitos neuronais dessa região do cérebro são sensíveis seletivamente à caloria do alimento, ponderou a pesquisadora. “Apesar de o adoçante ser palatável, não houve um aumento da liberação de dopamina nessa região do cérebro dos animais quando foram expostos a esse alimento. Isso pode estar relacionado ao fato de que, ao contrário do açúcar, o adoçante não possui caloria, apesar de ser bastante doce e palatável”, comparou Ferreira.

Os pesquisadores também avaliaram o efeito da diminuição da sensação de prazer proporcionada pela ingestão de uma substância não palatável, mas calórica, na liberação de dopamina nessas regiões do cérebro dos camundongos. Para isso, eles alteraram o sabor do adoçante que os animais lambiam no bico do bebedouro ao adicionar um pouco de benzoato de denatônio – um composto que confere sabor amargo às formulações. Ao mesmo tempo, os camundongos receberam infusões intragástricas de açúcar (glicose).

Embora a alteração do sabor do adoçante tenha suprimido a liberação de dopamina no estriado ventral induzida pelo açúcar injetado no estômago dos animais, houve um aumento da liberação do neurotransmissor no estriado dorsal, constataram os pesquisadores.
“Nossos dados indicam que o açúcar recruta neurônios da via dopaminérgica ao estriado, que, em geral, priorizam a ingestão de caloria, mesmo em uma situação desagradável com relação ao sabor do alimento”, disse Ferreira.

“Isso sugere que é o desejo do cérebro por calorias, e não pelo sabor doce dos alimentos, que controlaria nossa ‘necessidade’ e, em alguns casos, compulsão por substâncias doces”, afirmou.

Neurociência ajuda educação na promoção da saúde

Júlio Bernardes/Agência USP de Notícias

Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP mostra interfaces entre as descobertas científicas sobre o funcionamento do cérebro, o processo de aprendizagem na escola e a promoção de saúde. O estudo da educadora Neuza Mainardi aponta que um estímulo adequado do professor pode fazer o aluno se empenhar mais para aprender, de modo a aumentar sua autoestima. Isso o torna mais ativo no dia-a-dia, o que melhora sua qualidade de vida e, em consequência, a sua saúde.
Neuza aponta que as pesquisas na área neurológica se intensificaram na última década do século 20, conhecida como “a década do cérebro”. Uma das descobertas mais importantes da neurociência foi a da plasticidade cerebral. ”Durante todo o século 20, acreditava-se que os seres humanos iam perdendo, ao longo da vida, os neurônios com que nasciam”, conta. “Entretanto, ao aprofundarem os estudos sobre o funcionamento do cérebro os cientistas descobriram que as células nervosas se renovam e se adaptam. Elas são sensíveis às mudanças ao redor e excitáveis, gerando sentimentos, pensamentos e comportamentos”.
O estudo relaciona quinze pontos coincidentes ou complementares entre neurociência, educação e promoção da saúde. “Por exemplo, sabe-se que o cérebro humano tem capacidade de criar mapas e imagens, de fora para dentro por reações físicas e químicas aos estímulos que recebe do meio”, diz Neuza. Na educação, o incentivo (externo) que os professores oferecem aos alunos visa criar neles a motivação (interna) e a vontade de aprender, devido a atividade neural. “A consequência, no que diz respeito à promoção de saúde, é que o aluno motivado tem mais chance de ter melhor qualidade de vida porque o sucesso aprimora a autoestima”.
A educadora lembra que a plasticidade cerebral contribui para a adaptabilidade do comportamento. “O papel condutor da educação interfere na atividade da criança e em sua atitude diante da realidade, o que amplia aos poucos a sua consciência”, diz. “Nas experiências psíquicas estão emoções e sentimentos que interferem na qualidade de vida. Os estímulos do professor quando positivos, geram pensamentos e comportamentos que favorecem o processo de ensino-aprendizagem”.
Desenvolvimento do cérebro
De acordo com os neurocientistas, os estímulos ambientais ampliam as conexões entre neurônios, havendo uma relação entre as experiências de vida e o desenvolvimento do cérebro. “A aprendizagem pode ser mais eficiente se o professor conhecer a vida da criança em casa, tendo mais contato com as famílias, por meio das reuniões de pais ou mesmo chamando os familiares, se for necessário, demonstrando interesse pelo aluno”, observa Neuza. ”Quanto maior o contato, mais segurança o professor terá para planejar o processo educacional, além de dar mais segurança ao aluno, pois ele se sente acolhido pela escola ao perceber que sua família é bem-vinda”.
Os princípios da psicologia e da neurociência podem ser aplicados no trabalho diário do professor se ele entender como o cérebro humano reage aos estímulos e procurar despertar no aluno uma atitude positiva. “Por exemplo, quando o aluno é elogiado por uma tarefa que faz em sala de aula, acontecem reações elétricas e químicas no sistema nervoso que fazem com que ele se sinta capaz de aprender. O estímulo melhora sua autoestima, ele aprende com mais facilidade e vive a experiência escolar com alegria. Além de ir a escola com prazer, no seu dia-a-dia terá mais entusiasmo para tudo, inclusive para fazer atividades físicas, o que traz qualidade de vida e melhora a saúde”, diz a educadora. “O professor deve sempre buscar um ponto positivo para enaltecer o aluno, mostrar que ele tem valor, não fazendo apenas críticas que podem gerar desinteresse pela escola”.
Segundo Neuza, o conceito de promoção da saúde passou a ser difundido em todo o mundo após a divulgação da Carta de Ottawa no Canadá, em 1986, durante a 1a Conferência Internacional para a Promoção da Saúde. “Anteriormente, saúde era vista como ausência de doença. Com a Carta de Ottawa, saúde passou a ser sinônimo de qualidade de vida, vivenciada no dia-a-dia”, relata. “No Brasil, após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais estabelecem a saúde como tema a ser trabalhado de forma transversal e contextualmente, em todos os níveis, tornando a escola uma promotora de saúde, não só dos alunos, mas de toda a sociedade”.
A educadora defende que o profissional de educação precisa se conscientizar do papel que tem como formador, muito mais do que apenas como transmissor de informações, e buscar compensar as possíveis falhas do seu curso de formação profissional. “Sempre cabe um repensar e se pode melhorar a atuação a cada dia”, afirma. “A internet pode ajudar bastante os que têm vontade de se atualizar”.
Neuza destaca que a educação determina em grande parte o bem-estar e a felicidade que a pessoa possa ter na vida. “Não se apaga o que se faz em educação, sejam aspectos positivos ou negativos”, conclui.