O aniversário da Proclamação da República propicia avaliações sobre a atual situação política do Brasil
Carlos Penna Brescianini/Agência Senado
Em 15 de novembro de 1889, quebrou-se o equilíbrio de forças que manteve a Monarquia por quase quatro séculos — 315 anos como território colonial do Reino de Portugal, 7 anos como cabeça do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e 67 anos como Império independente.
A senadora Rose de Freitas (Podemos-ES) avalia que, nestes 130 anos de República, a maior dificuldade tem sido em acabar com as desigualdades. Em 1889, o país tinha 14 milhões de habitantes, sendo quase 2 milhões de ex-escravos. Em 2019, são 220 milhões de habitantes, com 13 milhões de miseráveis, segundo o IBGE.
“As desigualdades no Brasil não diminuíram. A pobreza voltou a aumentar. E eu, que sempre trato de assuntos sobre mulheres, trato muito da questão da violência. E a violência tem aumentado. Isso é um reflexo direto da crise econômica. As reformas têm de favorecer aqueles que há anos querem ser atendidos pelo Estado”.
A Proclamação da República ocorreu um ano e meio após a abolição da escravatura. A própria princesa Isabel, que havia assumido a coordenação política da aprovação da Lei Áurea, sabia que estava incomodando profundamente os fazendeiros.
Em uma carta ao Visconde de Santa Vitória, sócio do Barão de Mauá, que tentava industrializar o Brasil, a princesa de Isabel de Orleans e Bragança relatou que a abolição deveria ser seguida de um programa de doação de verbas e terras aos recém-libertos:
“Deus nos proteja dos escravocratas, e os militares saibam deste nosso negócio, pois seria o fim do atual governo e mesmo do Império e da casa de Bragança no Brasil”, ela escreveu. Pelos dois anos que se seguiram à assinatura da Lei Áurea, os escravocratas tentaram extrair do ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, uma indenização pela perda da propriedade dos escravos. A demanda só se tornou inviável quando Ruy mandou queimar os registros cartoriais da escravidão, impedindo a apresentação dos comprovantes de compra dos escravos.
Entre 1889 e 1930, na chamada República Velha, houve uma série de conflitos sociais, com greves operárias e revoltas de oficiais militares. Esse período foi marcado pela inexistência de legislação trabalhista, que havia sido a plataforma da segunda candidatura do senador Ruy Barbosa à Presidência da República, em 1919. Ruy tornara-se opositor dos governos que se seguiram por abandonarem a questão social. “Ao governo revolucionário [pós-Proclamação da República] sucederiam 29 anos de República organizada, com oito quadriênios presidenciais de onipotência, quase todos em calmaria podre”, criticou.
Ruy afirmava que o abandono da questão social estava levando o Brasil ao caos e à estagnação econômica. Entre 1920 e 1930, uma série de greves operárias no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e em várias capitais terminou em conflitos sangrentos.
O senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), afirma que a grande crise atual da República está na questão dos direitos sociais.
“No Brasil, cada dia vem uma proposta nova visando suprimir direitos. Se a supressão dos direitos trabalhistas e previdenciários continuar, nós vamos voltar para o período da República Velha, quando não havia direitos e uma massa de desempregados faminta se sujeitava a qualquer trabalho para sobreviver”.
Ao ser derrubado o Império e proclamada a República, o Brasil tinha uma dívida externa e interna que vinha desde a Independência (1822) e incluía os empréstimos para financiar a Guerra do Paraguai (1864-1870). Em 1889, havia uma dívida interna de mais de 435 mil contos de réis e uma dívida externa de mais de 270 mil contos, totalizando 705 mil contos de réis. O Orçamento da nação, porém, era de 153 mil contos.
Em 2019, a dívida pública chegou a R$ 4,5 trilhões e o Orçamento é de R$ 3,38 trilhões. A pressão sobre os cofres públicos tem sido determinante nas políticas econômicas. O senador Cid Gomes (PDT-CE) avalia: “Tem-se de fazer justiça às reduções dos juros que o Banco Central tem realizado. Entretanto, a diferença entre os juros que o Copom determina e os que são pagos pelos títulos públicos é muito grande. Os bancos, que não emprestam apenas para o governo, mas para os cidadãos e as empresas, multiplicaram por cinco os seus lucros entre 2007 e 2019. A indústria e o comércio não têm esse lucro. Isso precisa ser enfrentado”.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, defende a proposta do governo Bolsonaro de realizar um novo pacto federativo para modificar os gastos públicos através de três propostas de emenda à Constituição (PECs) apresentadas em 6 de novembro. “A descentralização dos recursos é uma proposta que há muitos anos é debatida no Congresso. Ao longo das últimas décadas, a centralização dos recursos impediu o desenvolvimento em muitas regiões do Brasil, especialmente no Norte e no Nordeste”.
Como uma das três PECs apresentadas pelo governo prevê a extinção dos fundos constitucionais, a reação de vários senadores é de cautela. Veneziano Vital do Rego (PSB-PB) afirma: “A medida receberá de nós o apoio se, ao acabar com os fundos, permitir que esses recursos sejam acessíveis a investimentos de combate à extrema pobreza. Para amortização de dívidas e pagamento de juros, não”.
A questão da chamada promessa política, em que um governo eleito executa uma série de mudanças na legislação afirmando que no futuro haverá uma situação melhor, é o que desperta a preocupação de senadores como Alvaro Dias (Podemos-PR). “No Chile e no Equador, hoje há uma cobrança de promessas antigas. Quando fizeram suas reformas, foi dito que se estaria melhorando a vida das pessoas no futuro. Essas populações se sentem frustradas e as reivindicações estão ultrapassando as questões econômicas e indo para questões políticas”.
Finalmente, há ainda a questão da distribuição da renda. Segundo o IBGE, os 10% mais ricos da população controlam 43% da renda do Brasil. A renda média dos mais ricos é de quase R$ 28 mil por mês, enquanto a dos mais pobres é de apenas R$ 820. O senador Confúcio Moura (MDB-RO) afirma que o sistema fiscal está montado para beneficiar as classes mais altas, por meio de isenções, enquanto as classes mais baixas terminam pagando o grosso do Imposto de Renda.
“Em função de isenções existentes no nosso sistema tributário, os mais ricos do nosso país terminam por pagar proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, aprofundando o fosso da desigualdade. Esse desequilibro econômico ainda é intensificado com a cobrança de tributos, que proporcionalmente é muito mais pesada para os mais pobres”.
Assim, o Brasil, após 389 anos de Monarquia e 130 anos de República, ainda busca seu caminho para se tornar uma nação mais justa, que era o defendido pelos republicanos históricos, como Quintino Bocaiuva, Prudente de Moraes, Delfim Moreira, Benjamim Constant e o próprio Ruy Barbosa.