Promotor da ‘Mãos Limpas’ elogia Moro e diz temer retaliação
Símbolo da Operação Mãos Limpas, que escancarou o sistema de corrupção na Itália na década de 1990 e inspirou a Operação Lava Jato, o ex-promotor Antonio di Pietro demonstrou apoio ao juiz Sergio Moro ontem (17), e disse estar preocupado com retaliações que o magistrado brasileiro possa sofrer
Ex-promotor Antonio di Pietro, símbolo da Operação Mãos Limpas, que escancarou o sistema de corrupção na Itália. |
“Expresso a plena solidariedade ao juiz Sergio Moro, que está apurando episódios que podem ter uma grande relevância penal”, afirmou o italiano, referindo-se ao trabalho conduzido pelo brasileiro há dois anos na operação que investiga casos de corrupção na Petrobras e que, depois de 24 fases, já prendeu executivos de empreiteiras e políticos. Di Pietro, porém, alertou para a possibilidade de Moro ser criticado e se tornar o vilão da crise política brasileira, desviando a atenção das investigações.
“Lamento apenas o fato de que, como já aconteceu na Itália, culpem quem cumpre o próprio dever, em vez de condenar os crimes. A Moro digo o que minha irmã me falou: faça o seu dever e pague as consequências”, aconselhou o italiano. Ao lado de outros promotores de Milão, Di Pietro foi o responsável por conduzir a Operação Mãos Limpas a partir de 1992, que apurou dezenas de casos de pagamento de propinas em contratos do goeverno e que levou ao fim a chamada Primeira República Italiana e ao desaparecimento de vários partidos políticos.
Durante a campanha da operação Mãos Limpas, 2.993 mandados de prisão foram expedidos; 6.059 pessoas foram investigadas, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros. Alguns políticos e empresários chegaram a cometer suicídio quando seus crimes foram descobertos.
Mas, nos últimos 25 anos, Di Pietro foi acusado de tentar interferir na política da Itália e de querer derrubar o então primeiro-ministro, Giuliano Amato (1992-1993), além de lançar uma perseguição contra políticos como os ex-premier Bettino Craxi e Silvio Berlusconi, que governou a Itália entre 1994 e 1995. O magistrado também respondeu por acusações de abuso de poder, de manipulação e prepotência.
Di Pietro deixou a magistratura após a Operação Mãos Limpas e entrou para a política, mas sem se aliar a nenhum partido da época. Ele acabou fundando sua própria legenda, a Itália dos Valores (IDV) e foi eleito deputado. Em diversas entrevistas, Moro confessou que se inspirou nas Mãos Limpas para conduzir a Lava Jato, mas lamentou também as semelhanças entre o sistema judiciário do Brasil e da Itália, onde cerca de 40% dos investigados na operação dos anos 90 não foram punidos porque os crimes prescreveram ou as leis se alteraram.
Ontem (18), o magistrado brasileiro foi duramente criticado pela presidente Dilma Rousseff por grampear e divulgar áudios de conversas entre ela e o ex-mandatário Lula, acusado pelo MP-SP de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica no caso de um triplex no Guarujá que está em nome da OAS, empreiteira investigada na Lava Jato, mas que seria destinado a Lula como forma de pagamento de favores. O MP chegou a pedir a prisão preventida do petista.
O processo foi enviado para a Justiça Federal do Paraná para ser assumido por Moro, em decisão tomada pela juiza Maria Priscila Ernandes Veiga Oliveira. Nesse âmbito, Moro conseguiu autorização da Justiça para grampear áudios de Lula e divulgou para a imprensa as gravações, sendo que uma das conversas ocorreu na tarde de quarta-feira, por volta das 13h30, com Dilma. De acordo com o juiz, a presidente e o petista estariam agindo para obstruir as investigações e evitar que Lula fosse preso.
Os grampos geraram polêmica porque a conversa entre Lula e Dilma foi gravada duras horas após Moro suspender as investigações, já que o ex-presidente tinha sido confirmado como ministro da Casa Civil e, com o cargo, tem direito a foro privilegiado. No discurso de posse de Lula na manhã de ontem (18), em Brasília, Dilma acusou Moro e os opositores de tentaram dar um golpe e de violarem as garantias constitucionais da Presidência da República.
“Investigações baseadas em grampos ilegais não favorecem a democracia do Brasil. Quando isso acontece, fica nítida a tentativa de ultrapassar o Estado Democrático de Direito”, afirmou a petista. Apesar das críticas do governo, Moro tem recebido apoio de parte da população que saiu às ruas no último domingo (13) para pedir o impeachment de Dilma e a adoção de medidas contra a corrupção no Brasil.
Em meio a este clima político, Di Pietro contou que recebeu vários convites para visitar o Brasil de pessoas que querem conhecer melhor a Operação Mãos Limpas. “Farei alguns seminários ou conferências nas universidades” (ANSA).
Moro: grampo ocorreu depois de determinar suspensão de gravação
O juiz federal Sérgio Moro reconheceu, em despacho, que a interceptação telefônica de uma ligação do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff ocorreu duas horas depois de ele ter determinado a suspensão das gravações. No documento, Moro afirma que determinou o fim da interceptação telefônica do ex-presidente na quarta-feira (16) às 11h12. Ele diz, entretanto que, entre a decisão e o cumprimento da ordem, foi colhido novo diálogo às 13h32 – o que foi reunido pela autoridade policial ao processo.
Moro afirma que “não havia reparado antes no ponto [horário]”, mas que não vê maior relevância nisso. “Como havia justa causa e autorização legal para a interceptação, não vislumbro maiores problemas no ocorrido”, disse o juiz no despacho. Ele ressalta ainda que não acredita na necessidade de exclusão do diálogo “considerando seu conteúdo relevante no contexto das investigações”.
Para Moro, a existência de foro privilegiado da presidenta não altera o quadro “pois o interceptado era o investigado e não a autoridade, sendo a comunicação interceptada fortuitamente”. O juiz finaliza o despacho afirmando que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF), quando receber o processo, decidir definitivamente sobre essas questões (ABr).