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País busca soluções para aumento de judicialização na saúde

em Especial
quinta-feira, 17 de maio de 2018
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País busca soluções para aumento de judicialização na saúde

“Meu nome é Ana Laura, sou irmã do Rogério Rossi, um homem de 50 anos diagnosticado com ELA (esclerose lateral amiotrófica). Ele está internado. Necessito de ajuda para ter esse medicamento o quanto antes! Por isso, gostaria do apoio de cada um de vocês para pressionar o poder público e, assim, conseguir o remédio.”

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Hospital em Brasília: quem não consegue atendimento recorre à Justiça.

Nelson Oliveira/Ag. Senado/Especial Cidadania

Todas as semanas, mensagens como essa são disparadas por redes de abaixo-assinados como o Change. Elas fazem parte de um dos mais intrincados nós da administração pública brasileira: a via judicial como caminho para a obtenção de tratamentos médicos. Batem à porta dos tribunais tanto quem precisa de um tratamento de alto custo, como o da esclerose lateral amiotrófica, uma doença considerada rara — atinge um em cada cem mil pessoas no Brasil — quanto quem precisa de uma simples consulta na rede pública.

Nesse intervalo, há um variado espectro de males a exigir medicamentos, intervenções e até fornecimento de fraldas.

Em 7 de março, o então ministro da Saúde Ricardo Barros fez desse tema um dos pontos principais de um balanço de atividades para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Barros explicou aos parlamentares as medidas para fazer face ao que chamou de “um problema sério na saúde”. Entre elas, a inclusão, nas licitações de remédios de fornecedores não autorizados pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para baratear os preços. Essa medida é objeto de controvérsia judicial tanto na esfera do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto do Supremo Tribunal Federal (STF).

Aproveitando um questionamento do senador Valdemir Moka (PMDB-MS), o ministro foi taxativo: “não existe orçamento para a judicialização. São R$ 7 bilhões por ano em sentenças judiciais. O dinheiro da judicialização é deslocado de outras ações para atender a judicialização. Isso desestrutura o planejamento que foi feito para atender a população”.

Esse número, conforme explicação oficial do ministério, é a soma dos gastos anuais da União, dos estados e dos municípios para atender às sentenças.

saindo temporarioDireito
No apelo de Ana Laura, percebe-se a dimensão humana, financeira e ética do drama que é o atendimento aos doentes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), já que a Constituição prevê em seu artigo 196: a saúde é “direito de todos e dever do Estado”. O preceito é regulamentado nos mesmos te

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rmos pela Lei 8.080, de 1990.

O direito à saúde é o que igualmente levou Ivanilde Ramos Negreiros à Defensoria Pública do Distrito Federal no dia 3 deste mês. Ela buscava ajuda para uma tia de 62 anos, que enfrenta sérios problemas ortopédicos e está há três anos presa a uma cama em sua casa na periferia de Brasília.

— O médico diz que se a cirurgia não for feita, a saúde dela vai declinar cada vez mais — diz Ivanilde, que tem inutilmente solicitado ao Governo do Distrito Federal a realização do procedimento.

Para o coordenador do Núcleo de Saúde da Defensoria Pública, Celestino Chupel, o problema é que o Estado não está provendo o que deveria em matéria de atendimento clínico e hospitalar e de fornecimento de remédios, levando ao agravamento da saúde da população e a demandas pela via judicial, o que encarece os procedimentos, já que as compras em grupo para remédios padronizados são mais baratas do que adquiri-los a cada processo.

— O que se tenta muitas vezes é culpar o doente pela judicialização, quando ela é resultado da omissão ou desorganização do Estado —afirma Chupel.

Ivanilde reclama para a tia uma cirurgia associada a prótese bilateral no quadril. Sai por aproximadamente R$ 90 mil.

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— Usa-se o exemplo de tratamentos de custo muito alto para criticar a judicialização, quando ela é um problema bem mais amplo — observa o defensor.

Custos
No núcleo que Chupel coordena, são atendidas cerca de 30 mil pessoas por ano, a maior parte com problemas tratáveis por terapias de custo modesto.

Segundo o defensor, no caso das doenças raras, vale a mesma lógica das doenças comuns: quando o Estado incorpora os tratamentos à rotina do SUS, o custo é reduzido “assustadoramente”, não só do ponto de vista dos remédios e procedimentos, que são adquiridos por processos controlados, inclusive com licitação, mas do ponto de vista do custo da ação judicial em si.

O defensor Ramiro Santana, que trabalha com o acompanhamento de ações judiciais e é representante da defensoria no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), disse que o órgão é demandado para que os cidadãos muitas vezes obtenham uma simples consulta e exames como mamografia, ecocardiograma e ressonância magnética — essa última ao custo médio de R$ 800.

Por isso, ele não vê “fundamentos claros” na afirmação de que a via judicial é um privilégio obtido às custas dos 

recursos que serviriam a um grande contingente:

— Existe um mito de que a judicialização é para a elite. O outro é que a judicialização desestrutura os orçamentos. Outros fatores vêm antes, como, por exemplo, a PEC do Limite de Gastos e as isenções para os planos de saúde das pessoas físicas — afirmou.

Conforme Santana, parte do problema decorre do atraso do país na estruturação do acesso à assistência farmacêutica, principalmente para as pessoas com doenças raras:

— De qualquer maneira, o sistema já está bem organizado: A Agência Nacional de Vigilância Sanitária cuida do registro dos medicamentos e faz a barreira sanitária. A Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS] e as comissões estaduais analisam a adoção de novos procedimentos. Precisamos agora ter mais celeridade nessas análises e instrumentos para evitar, seja o favorecimento de uma empresa farmacêutica, seja o esquecimento de qualquer faixa da população.

Efetividade
A celeridade dos processos de incorporação de tratamentos, e a consequente redução dos processos judiciais, poderia ser impulsionada, de acordo com o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), por indicador conhecido como avaliação de custo-efetividade. É possível chegar a ela calculando-se quanto custará cada ano de sobrevida — com relativa qualidade — após um determinado tratamento.

Consequentemente, poderia ser estabelecida, em valores monetários, uma linha de corte, abaixo da qual o tratamento seria considerado adequado em termos de custo, em face de sua efetividade.

— Não é possível continuar com essa regra de judicialização sem que possamos aprimorar os tratamentos e as terapias que possam estar disponíveis para a população. É claro que fica sempre a discussão de caráter orçamentário, mas é uma discussão que pouco me sensibiliza, num país onde tantas pessoas morrem por falta de uma oportunidade — ponderou o senador em audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais em agosto.

Cássio acredita que um critério objetivo, regulamentado de maneira clara e amplamente divulgado cooperaria para a adoção de novos tratamentos, evitando o limbo no qual atuam os demandantes na Justiça.

A rigor, a Lei 8.080 já determina a avaliação de custo-efetividade dos medicamentos e terapias fornecidas pelo SUS, além de análise da eficácia e segurança para as diferentes fases evolutivas da doença.