Os 50 anos do TUCA – Teatro da Universidade Católica
Em abril de 1965, cartazes espalhados pelo campus da PUC de São Paulo anunciavam: O Tuca vem aí. O Tuca (teatro da Pontifícia Universidade Católica), é um espaço cultural que se tornou conhecido no Brasil todo como foco de resistência ao regime militar, completa 50 anos neste mês de setembro
|
Para a montagem do teatro foram feitas três contratações: Roberto Freire como diretor geral do grupo de teatros, Silnei Siqueira, profissional vindo da TV Record, como diretor de atores e José Armando Ferrara responsável pela cenografia. Depois de um contrato de liberação de verbas pela Secretaria de Estado da Cultura, a peça escolhida para a inauguração foi Vida e Morte Severina, de João Cabral de Melo Neto.
Os motivos da escolha se deram pelo fato do autor ser brasileiro e o tema tratava de uma realidade social que ia ao encontro da ideologia estudantil, além do que, havia atores interessados no texto. A música tema da peça Morte e Vida Severina é uma composição de Chico Buarque de Hollanda, “Funeral de um lavrador”. Ele também elaborou as demais trilhas sonoras do espetáculo.
O jornalista e professor universitário, Jorge Claudio Ribeiro, conta que o espaço surgiu graças ao esforço de várias pessoas, em um período de censura e ditadura, para a montagem de espetáculos. “O próprio Chico Buarque vendeu um Fusca que tinha para ajudar na montagem da peça”, contou Ribeiro, ressaltando o empenho do artista na elaboração das músicas da peça que lhe deram muito trabalho. A trama fala da viagem de um retirante nordestino que foge da seca no sertão e vai a Recife na busca de melhores condições de vida. No dia da estreia a Polícia Federal compareceu de forma a intimidar o público que comparecia, mas o espetáculo transcorreu normalmente.
Mas não foi apenas a peça de João Cabral de Melo Neto que marcou a trajetória política do Tuca nesses 50 anos. Houve ali uma das edições do Festival Internacional da Canção, em 1968, onde Caetano Veloso entrou em discussão com o público que o vaiava por estar cantando “É proibido proibir”. O público não entendeu o sentido da letra e vaiou. Caetano encerrou a canção e questionando: “Mas é essa a juventude que quer assumir o poder? Vocês não estão entendendo nada!”
Houve outras frases profundas naquele desabafo de Caetano Veloso, visto que muitos acontecimentos na área política e social não eram informados à população devido à censura e as pessoas se sentiam confusas em se posicionar politicamente, em especial os jovens. Aquele ano terminaria sob a vigência do Ato Institucional no. 5, promulgado a 8 de dezembro de 1968, proibindo e autorizando a repressão policial a manifestações em lugares públicos. Antes, porém, Caetano cantou o que viria e o público não entendeu. Naquele dia do festival, Caetano precisou sair do Tuca pelos fundos, escondido em meio às obras de construção do restaurante universitário para não ser agredido pelos estudantes.
A censura e a repressão da ditadura militar continuariam de olho no Tuca por muito tempo. Henrique Suster, diretor do Teatro da Universidade Católica, entre 1969 e 1974, fala de um show de Chico Buarque, onde ele e o artista enfrentaram a truculência da Polícia Federal depois do espetáculo. “Eles se dirigiram aos camarins e nos cercaram, fizeram um discurso contra a subversão a mim e ao Chico, deram alguns empurrões e pontapés em nós e foram embora sem prender ninguém.
Outro acontecimento marcante, e hoje parte da história do Brasil, aconteceu em 22 de setembro de 1977, quando aproximadamente 500 policiais da tropa de choque, invadiram o campus da PUC, espancaram e prenderam, conforme os jornais, aproximadamente 2 mil estudantes que participavam de um ato público. Alguns foram arrastados para fora do campus e outros ficaram feridos a golpes de cassetete e pontapés. Foram explodidas cinco bombas de gás e lançados vários petardos deixando 15 pessoas feridas, cinco delas com queimaduras de terceiro grau.
A operação bélica visava impedir manifestações pela reorganização da União Nacional dos Estudantes – UNE, tema daquela reunião estudantil que acontecia na parte de dentro do campus universitário, local considerado território independente, que não poderia mesmo naquela época de vigência do AI-5 ser ocupado pelo Estado. O comandante da invasão da PUC foi o coronel Erasmo Dias, então secretário da Segurança Pública. Após a confusão estudantes de outras universidades anunciaram que no dia seguinte fariam uma grande passeata pelas ruas do centro da cidade exigindo o fim dos atos institucionais e a anistia aos presos políticos.
Não havia redes sociais, a manifestação foi marcada para as cinco da tarde pelos próprios estudantes e havia o temor de que a repressão poderia ser ainda maior que na PUC. A Praça da República já amanheceu policiada pelo Batalhão de Choque da PM. A caminhada estudantil teve início no horário marcado saindo dos fundos do Teatro Municipal, subindo a Avenida São João no sentido República e Sé. O policiamento era grande, mas a passeata transcorreu sem incidentes, apesar das palavras de ordem e provocações ao regime militar que preferia agora não dar alarde ao exterior que havia de fato repressão no país.
Tais acontecimentos se somaram a outros que levaram o governo a promover uma abertura política. Mesmo assim, o Tuca ainda seria vítima de outro atentado no dia 22 de setembro de 1984: um incêndio considerado criminoso destruiu quase que completamente o teatro. Uma campanha de reconstrução mobilizou a sociedade para reabri-lo de forma precária, quatro anos depois. No primeiro espetáculo após a volta ainda não havia poltronas e só em 2003 o prédio seria modernizado por completo, mantendo nas paredes, as marcas do fogo, de forma a mostrar às novas gerações a importância do Teatro da PUC no engrandecimento da cultura nacional e na conquista da volta das liberdades democráticas.
Tudo isso é parte da história do Tuca, uma referência para o país.
Desde 2006 existe um Centro de Documentação e Memória do teatro e para conferir as novidades do cinquentenário, acesse o portal (www.teatrotuca.com.br).