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Não só de futebol vivem as mulheres no Irã

em Especial
quinta-feira, 03 de outubro de 2019
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Não só de futebol vivem as mulheres no Irã

A parcial suspensão da proibição que durou por 40 anos no Irã para as mulheres entrarem em um estádio de futebol é um bom sinal na luta pela igualdade de gênero, embora não seja a única batalha.

“Há muito mais coisas para mudar”, diz deputada iraniana. Foto: EPA

Alberto Zanconato e Mojgan Ahmadvand/ANSA

“Não há lei proibindo as mulheres de entrarem em um estádio e espero que, no futuro, elas também possam participar de jogos locais”, disse a representante Tayyebeh Siavoshi, sobre a suspensão parcial do veto.

“Os preparativos necessários foram feitos para as mulheres entrarem nos estádios de futebol, inicialmente apenas para partidas de seleções nacionais”, anunciou o ministro do Esporte do Irã, Masoud Soltanifar.

Um anúncio que respondeu às pressões da Fifa diante da onda de indignação internacional que causou o suicídio de Sahar Khodayari, uma jovem que se suicidou ateando fogo no próprio corpo por temer ser condenada à prisão por violar a proibição da entrada de mulheres em estádios de futebol.

Khodayari, de 30 anos, conseguiu burlar a rígida regra ao assistir “camuflada” um jogo disputado pelo Esteghlal, o clube do seu coração, contra o Al Ain, dos Emirados Árabes Unidos, pela Liga dos Campeões da Ásia, em 12 de março. Mas ela não conseguiu ver o final do duelo, que acabou empatado por 1 a 1, porque foi detectada pela polícia no estádio Azadi, em Teerã. Ela passou três dias detida na prisão feminina de Gharchak Varamin antes de ser libertada.

O medo de acabar atrás das grades novamente, condenada por seu “pecado”, levou Khodayari a atear fogo no próprio corpo e a causar ferimentos que resultaram em sua morte, no dia 1º de setembro, em um hospital para o qual havia sido transferida. A jovem, batizada como a “Garota Azul” pela peruca que usava no dia quando foi disfarçada ao estádio, acabou se tornando um mártir para as mulheres iranianas.

Siavoshi, que é presidente da comissão parlamentar de assuntos femininos, comemorou o veto parcial da proibição, embora ela tenha lembrado que existem muitas batalhas a serem travadas em outras frentes. Ela defende a luta pela mudança e pela adoção de um projeto de lei contra o fenômeno das “mulheres-garotas”, que no atual Irã é limitado às classes mais desfavorecidas e a algumas áreas rurais.

A nova norma, no entanto, é apenas um paliativo, pois propõe aumentar a idade mínima das adolescentes de 13 para 16 anos e de 15 para 18 a dos meninos. Apesar do apoio manifestado no ano passado por 150 dos 290 deputados, o projeto ainda não foi debatido porque a Comissão de Assuntos Judiciais considerou contrário à “Sharia”, a lei islâmica. Siavoshi não desiste e lembra que “o projeto foi retomado por vários parlamentares”, ao mesmo tempo em que afirma que os regulamentos serão finalmente debatidos com o apoio de algumas ONGs e diferentes expoentes religiosos.

“Outra reforma na fase de elaboração no Parlamento visa equilibrar os direitos de homens e mulheres em casos de divórcio”, acrescenta, lembrando que, sob a lei atual, apenas os homens têm o direito de solicitá-lo, com exceções que favorecem aquelas que conseguem provar com segurança que seus maridos não cumprem seus deveres e obrigações conjugais, diz Siavoshi.

“Infelizmente, um projeto de lei sobre a violência contra as mulheres foi atolado e o Parlamento levantou ao Judiciário para ser ratificado, mas há meses não temos resposta”, disse a deputada. Os esforços daqueles que lutam por reformas se chocam com o poder discricionário reservado para aqueles que têm a palavra final em questões de direito, como o Conselho de Guardiões, dominado por conservadores, mas também pelos próprios juízes.

A advogada Mohammad Saleh Nikbakht ressalta que “as detenções de mulheres por fingir entrar nos estádios ou por andar de moto não são legais porque essas situações não são proibidas por lei, nem mesmo pela lei islâmica”. “Essas mulheres são presas apenas com base em costumes, tradição e mentalidade que exigirá séculos a serem superados”, completa Nikbakht, renomada ativista de direitos humanos.

Um cenário difícil de mudar, ela destaca, apesar das posições a favor de uma abertura liderada por alguns líderes religiosos como o Grande Aiatolá Nasser Makarem Shirazi que chegou a emitir um “fetua” (fatwa, decreto religioso) para apoiar o aumento da idade mínima para o casamento, mas mesmo isso não foi suficiente. O Irã deu um passo em direção a um futuro mais equitativo, mas ainda há um longo caminho a percorrer.