Não há limites para quem sonha em pilotar
A 365 dias do início das Paraolimpíadas Rio 2016, o Blog Check-In mostra que as pessoas com deficiência têm plenas condições de realizar todos os seus sonhos. Entre eles, o de pilotar um avião. E que, com força de vontade, talento e ajuda, tudo é possível
Jessica Cox, a primeira mulher sem braços e com brevê. |
Freddy Charlson/oblogdaaviacao
Jessica Cox, 32 anos, é danadinha. A garota norte-americana é faixa preta de taekwondo, toca piano e pilota aviões. Sim, é isso mesmo. Jessica Cox pilota aviões. Ah, ela não tem braços. Na Itália, os acrobatas Alessandro Paleri, 42 anos, e Marco Cherubini, 41, são paraplégicos. E dão show nos ares com suas piruetas. Quem também dá show é o brasileiro Carlos Santoro. Mesmo sem possuir o braço direito, ele é piloto de helicóptero. Utiliza uma prótese adaptada para realizar tal feito.
Um show comparável ao protagonizado pelos atletas paraolímpicos brasileiros, que venceram, com larga vantagem os recém-encerrados Jogos Parapan-Americanos em Toronto, com 107 medalhas de ouro. Mais medalhas, aliás, que os países que ficaram em segundo e terceiro lugar (Canadá e Estados Unidos), somados. Ou seja: gente, dá pra ser (e muito!) feliz sem ter todos os movimentos ou capacidades à disposição. Só para se ter uma ideia, cerca de 45 milhões de brasileiros alegaram, no Censo Demográfico 2010, possuir alguma deficiência, seja ela auditiva, visual ou motora. Eis, abaixo, grandes exemplos de talento, capacidade e força de vontade na aviação. Uma gente que corre atrás dos próprios sonhos e que não se abate com as dificuldades.
Pé direito no manche, pé esquerdo no acelerador. E o dedão é utilizado para comunicação via rádio. Pronto. Et voilá!, é só pilotar. Jessica Cox – ah, Jessica! – é uma garota especial. Destemida, ela entrou para a história da aviação ao se tornar a primeira mulher a pilotar um avião sem o uso de próteses. E, quem olha assim, rapidamente, para Jessica, não dá “nada” para a moça. Tímida, com fala mansa, discreta, ela poderia ser apenas mais uma na multidão. Uma que sempre atrai a curiosidade alheia. Ainda mais que Jessica nasceu sem braços.
E mesmo sem os membros superiores – não, não descobriam uma causa para sua deficiência –, o sonho de pilotar um avião começou a se tornar realidade após ela terminar a faculdade, em 2005, quando um piloto de caça perguntou se ela queria voar num monomotor. Ela quis, of course. Curtiu tanto que decidiu, ali, virar piloto. A licença – brevê de piloto esportivo – porém, só chegou em 2008. Jessica já voou em aviões como o Ercoupe, que não tem pedais no leme, e o Parrish Traweek, que tinha seguro que permitia uso por estudantes.
E olhe que aviões são objetos voadores projetados para serem pilotados com as mãos. Sim, com as mãos. É raro ver alguém pilotar aeronaves com os pés, tipo Jessica. Aliás, ela curte mesmo é decolar. Nesse momento, se sente livre, feliz. O bicho pega, porém, na hora da aterrissagem. Sim, apesar de destemida, como dito lá em cima, Jessica é humana. E sente um medinho quando o voo está chegando ao fim.
É só nesse momento que o tal medo aparece. Jessica usou próteses durante poucos anos, aprendeu a cozinhar e a preparar o próprio prato, tirou carteira de motorista, sabe escovar os cabelos, consegue colocar as lentes de contato, é formada em psicologia e tem até licença para mergulhar. Só faltava pilotar um avião. Não falta mais. E, depois de 89 horas de pilotagem, ela, enfim, obteve seu brevê. Hoje, fala de si para o mundo, por meio de palestras motivacionais e com direito a festejar a escolha como um dos dez pilotos em 2014, segundo a revista Pilots by Plane & Pilot magazine. Sim, essa história precisa ser conhecida.
História bonita também é a da “esquadrilha da fumaça” italiana em que dois dos três pilotos acrobatas são paraplégicos. Mas, mesmo sem o movimento das pernas, Alessandro Paleri e Marco Cherubini dão show nos ares da Itália e em vários países da Europa. O nome do grupo é WeFly Team (em tradução livre, Equipe Nós Voamos).
E, acreditem, Alessandro, 42 anos, e Marco, 41, são amigos do tempo em que frequentavam a Federação Italiana de Pilotos Deficientes (FIPD) – sim, eu também me impressionei ao saber que a Itália tem um grupo de pilotos portadores de necessidades especiais. Ali, pá, de repente, tiveram a ideia. “Porque não montar uma esquadrilha da fumaça?” – traduzido do Google Translator é algo como “Perché non unire un gruppo di acrobazie aeree?. Capice. Dito e feito. Chamaram o colega veterano Erich Kustatscher e tomaram lições de voos de acrobacia.
A vida dos caras melhorou muito, afinal Alessandro sofreu uma fratura na vértebra cervical ao pular em uma piscina rasa em 1987 e Marco ficou tetraplégico em um acidente de carro em 1995. Hoje, a dupla voa em uma aeronave monomotor adaptada para o uso de portadores de necessidades especiais. Em terra, eles dão palestras para jovens contando tudo, das coisas boas e ruins da vida.Coisa ruim? Sofrer acidentes, seja na piscina ou na rodovia. Coisa boa? Sobreviver aos acidentes. Coisa ruim? Perder os movimentos das pernas. Coisa boa? Aprender a pilotar aviões. Coisa ruim? Não andar. Coisa boa? Voar. Coisa ruim? Acabaram as coisas ruins. Coisa boa? Viver, viver feliz, ensinar aos jovens e ter a flâmula da esquadrilha levada, em 2014, ao espaço sideral pela astronauta Samantha Cristoforetti, primeira italiana da Agência Espacial Europeia (ESA), que ficou 199 dias na Estação Espacial Internacional. É muita coisa boa, né, gente?
Mas, venha cá, você está achando que só os estrangeiros conseguem realizar sonhos e proezas no ar? Nananinanão. Aqui é Brasil, caramba! E, bem no centro do país, mais precisamente “no” Goiás, temos que contar a história de Carlos Santoro, o primeiro piloto brasileiro de helicóptero a voar com uma prótese. E ela fica justamente no braço direito do rapaz.
Comandante desde os 21 anos, Carlos é piloto civil e tirou seu primeiro brevê em 2008. O documento foi revalidado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para ele voar com a prótese após fazer, em 2011, um “voo de recheque”, para reavaliar a capacidade de operação de uma aeronave, um ano após o acidente de carro que transformou sua vida, em 2010. Ele voltava de uma festa com um amigo que estava ao volante e perdeu parte do braço direito, no acidente, mas nem pensou duas vezes. Ainda no leito do hospital, em Goiânia, falou para a psicóloga: “Quero ser o primeiro piloto de helicóptero a voar com prótese. Avisa pra minha família”. Simples assim.
A partir daí, determinação e correria, misturada à fisioterapia e conversas com o povo da oficina ortopédica. Sim, conhecedor do ofício, Carlos ajudou a equipe a construir uma prótese que o permitisse pilotar helicóptero. Procurou históricos de próteses afins. Não havia. E o trabalho começou do zero até o aparelho virar uma extensão do seu braço e ser responsável pela estabilidade direcional da aeronave. Ou seja, graças à prótese, Carlos comanda tudo. Anda pra frente, pra trás, pros lados e fica parado – afinal só helicóptero, beija-flor e Dadá Maravilha (Google, gente!) ficam parados no ar…
E tem gente que fica com medo de voar com Carlos Montoro? Claro que tem. Mas, vocês sabem, medo é uma coisa que dá e passa. Após o voo com o goiano, tudo volta à normalidade e todo mundo chega em casa, são e salvo. Partiu?