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Músicos amadores criam grupos para reviver antigos sambas esquecidos

em Especial
sexta-feira, 22 de junho de 2018
Reuters

Músicos amadores criam grupos para reviver antigos sambas esquecidos

Ledahí Dias Nascimento tinha 14 anos quando, no quintal de sua casa, a Escola de Samba Império Serrano foi fundada no Rio de Janeiro, em 1947                                                                         

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Desfile no Sambódromo.

Camila Maciel/Agência Brasil

Filha de Tia Eulália, matriarca da escola de samba carioca, Dona Leda – hoje com 85 anos – é uma memória viva das primeiras décadas do samba. Às vezes, a lembrança daquele tempo vem em forma de verso, em um cantarolar saudoso, e, assim, uma melodia esquecida pode fazer história.

A memória de sambistas da velha guarda é o principal material de trabalho do agrupamento paulistano Glória ao Samba, que pesquisa músicas inéditas – nunca gravadas – das primeiras décadas do século 20 e que vivem apenas nas recordações de antigos integrantes das escolas de samba. Mais de 300 canções já foram redescobertas. Depois elas são tocadas em rodas de samba que fazem homenagem a compositores e escolas.

O trabalho de campo dos agrupamentos, grupos formados de músicos que se dedicam a pesquisar sambas antigos, é um verdadeiro quebra-cabeças. Muitas vezes, uma estrofe é descoberta com uma pessoa e um trecho seguinte se desvenda com outra. “A gente fica estimulando a memória dos sambistas antigos: ‘E esse pedaço aqui?’. Primeiro eles dizem: ‘ah, não lembro’. Mas aos poucos eles vão lembrando”, descreveu Paulo Mathias, integrante do agrupamento.

Dona Leda ajudou o agrupamento Glória ao Samba a resgatar sambas criados há mais de 70 anos.O advogado Rafael Lo Ré, outro integrante, contou que esses encontros, normalmente, são informais. “Acima de tudo, a gente gosta de fazer aquilo, e acaba cultivando uma amizade. Então a gente repassa os bons tempos, vai falando, mostra uma letra ou outra e chega à melodia”. No caso de dona Leda, o agrupamento conseguiu resgatar várias músicas. “Ela assistiu, desde pequena, às manifestações de samba em casa. É um documento vivo da história do Império Serrano. Nós levamos uma série de recortes de jornais, livros antigos, com letras da década de 1940, 1950 e ela lembrou da melodia”, contou Paulo Mathias, outro integrante do agrupamento.

Ele se refere à música ‘O Último Baile da Corte Imperial’, composição de Silas de Oliveira, Waldir Medeiros e João Fabrício, que agora é cantada de forma completa em rodas de samba. Antes que Dona Leda cantasse O Último Baile, a letra era apenas um registro histórico do samba enredo de 1953 do Império Serrano no livro ‘Silas de Oliveira – do jongo ao samba enredo’, publicado em 1981. No encontro do agrupamento com a sambista, ocorrido na sua casa, em 2014, os versos ganharam batucadas inéditas e a canção se completou. “O último baile imperial/foi realizado na antiga Ilha Fiscal. Os ilustres visitantes homenageados/partiram para seu país distante/com o êxito brilhante, emocionados”, diz a letra da música resgatada.

Agrupamentos de samba são formados por jovens músicos que buscam a inspiração da velha guarda. Na foto, Binha do Salgueiro toca com o Glória ao Samba.Subir o morro para ir à casa de um sambista octogenário, perambular nos bares à procura de um amante do samba, manter o olhar atento na quadra das escolas para identificar integrantes da velha guarda e viajar o estado em busca de pistas que levem a um antigo membro de escola de samba são algumas das estratégias utilizadas pelos componentes do Glória ao Samba nos 10 anos de trajetória.

“A música e a pesquisa caminham lado a lado, a gente não diferencia. A gente gosta de falar sobre samba, de cantar, de compor. Nossa escola é falar sobre os antigos, exercitar esse samba dos antigos compositores. A gente só sabe fazer desse jeito”, explicou Rafael Lo Ré. “Às vezes, a gente aprende com uma pessoa que não era compositora, mas que, de alguma forma, era membro da escola e que se lembra. Alguma pessoa mais antiga. É atrás dessas pessoas que a gente está correndo: moradores antigos, octogenários”, continuou Lo Ré.

O caderninho de Jolete Azevedo, a Tia Jujuca, 89 anos, foi fundamental para algumas descobertas. Paulo Mathias relatou que, por causa da religião evangélica, ela já não frequentava rodas de samba, mas as lembranças permaneceram. “Ela contou que, quando estava lavando louça ou fazendo outra coisa, costumava lembrar das músicas que eram cantadas, lembrava dos compositores e anotava tudo em um caderninho. Ali tinha uma infinidade de sambas do começo do Império Serrano. Foi assim que ela cantou muitos sambas antigos e desconhecidos para as pessoas da nossa geração”, disse Mathias.

bateria-da-escola-de-samba temproarioOutro samba que teve a melodia redescoberta por Dona Leda conta um pouco da história da escola. “Império não tem padrinho, que eu saiba. A Portela ia batizar, mas já naquele ano nós ganhamos. Assim que a Império fundou foi campeã, aí já ficaram aborrecidos. Segundo ano, a Império campeã outra vez, aí o jornal: ‘Escola de Madureira é a escola que brilha’. Aí, pronto, começou a inimizade”, relembrou.

Da intriga se fez samba. A Portela cantou: “Portela é despida de vaidade. Vitória para a Portela é banalidade, é banalidade, é banalidade”. E o Império retrucou: “Este é o Império Serrano, campeão de quatro anos. Quem disse que vitória é banalidade, para o Império não é novidade”. Recortes de jornais da época encontrados em bibliotecas, livros sobre a história das escolas de samba ou até mesmo prospectos – folhas impressas com as letras que eram distribuídas nas rodas de samba – são alguns dos meios utilizados pelos integrantes do Glória ao Samba para descobrir músicas inéditas.

Mas, às vezes, a própria memória do sambista é a fonte de pesquisa. Foi assim com Jarbas Soares, o Binha do Salgueiro, que revelou, em 2008, a Rafael Lo Ré, a canção ‘Em 59, balançamos a roseira’.