Há 40 anos, ditadura impunha Pacote de Abril e adiava abertura política
Há 40 anos, ditadura impunha Pacote de Abril e adiava abertura política
No dia 1º de abril de 1977, o Brasil acordou sem Congresso Nacional. O presidente da República, general Ernesto Geisel, tirou da gaveta o Ato Institucional 5 (AI-5), que não era usado desde 1969, para colocar o Parlamento em recesso
![]() Cerimônia de posse do presidente Geisel em frente ao Congresso, em 1974: |
Duas semanas depois, Geisel anunciou um conjunto de medidas conhecido como Pacote de Abril, composto por uma emenda constitucional e seis decretos, e reabriu o Congresso. O pacote completará 40 anos no dia 14.
O objetivo principal do pacote era dar ao partido do governo, a Arena, o controle do Legislativo, com o aumento das bancadas do Norte e do Nordeste na Câmara dos Deputados e a eleição indireta de um terço dos senadores, a serem escolhidos por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias legislativas e por delegados das câmaras municipais.
Quarto presidente militar dos cinco que o Brasil teve após 1964, Geisel havia assumido o governo em 1974 com a promessa de conduzir o país à redemocratização por meio de uma “abertura lenta, gradual e segura”. Mas o surpreendente resultado positivo do partido da oposição, o MDB, nas eleições legislativas do mesmo ano colocou os militares em alerta.
A gota d’água foi a rejeição pelo Senado da proposta de reforma do Judiciário. A iniciativa encontrou resistência do MDB, e a Arena não tinha os dois terços de votos necessários para emendar a Constituição. “Esse foi apenas o pretexto. O pacote foi uma reforma política para fornecer condições de sobrevivência ao regime militar, que se encontrava em processo de dissolução”, explica o consultor legislativo e historiador Marcos Magalhães.

Para o professor de ciência política da UnB, David Fleischer, o principal efeito do Pacote de Abril foi evitar que o MDB fizesse maioria no Senado nas eleições seguintes. Na Câmara, o aumento do número de deputados não resultou em diferença significativa, apenas quatro vagas a mais para a Arena. “Foi um passo atrás para a redemocratização do Brasil, mas, na visão de Geisel, necessário ao processo de entregar o país a civis nos quais os militares confiassem”, avalia Fleischer. As medidas do pacote começaram a cair em 1980, quando o Congresso aprovou emenda restabelecendo as eleições diretas para governador e acabando com a escolha indireta de senadores.
Marcos Magalhães lembra o papel que os senadores do MDB tiveram nos dias difíceis que se seguiram ao pacote, entre eles Franco Montoro, Itamar Franco, Marcos Freire e Paulo Brossard. O MDB montou estratégia para ocupar a tribuna do Plenário com discursos contra o regime. O primeiro foi Montoro, líder do partido: — O MDB protesta em nome da consciência nacional contra o grave retrocesso político representado pelas medidas tomadas pelo Executivo.
Coube ao jurista Paulo Brossard, conhecido por sua oratória inflamada, fechar a série. Ele foi o autor do discurso contra a reforma do Judiciário o qual foi considerado o estopim para que o governo fechasse o Congresso. Em maio de 1977, Brossard chamou a atenção para a singularidade do regime no Brasil, que misturava instrumentos autoritários com o funcionamento parcial de instituições democráticas, modelo único entre as ditaduras latino-americanas:
“O regime que pretenderam instituir no nosso país, reunindo a um tempo, a suposta legalidade e o puro arbítrio, a convivência de duas ordens, uma pretensamente constitucional, a outra declaradamente extralegal, tinha de dar no que deu, pela singela razão de que elas são incompatíveis, excluem-se reciprocamente, motivo pelo qual, em verdade, as duas ordens nem são duas, nem são ordens: a desordem é uma só”.
Mediação
Por discursos como esses, os senadores do MDB correram risco de cassação. Foi o que acabou acontecendo em junho de 1977 com o deputado federal Alencar Furtado. Marcos Magalhães lembra a tarefa assumida por representantes da Arena de evitar mais perdas de mandato: “Sabemos do papel de alguns mediadores, como o presidente do Senado, Petrônio Portella, homem forte do regime. O dispositivo de segurança do regime militar continuava efetivo. Geisel se propôs a desmontá-lo, mas teve grande dificuldade”.
A ex-secretária-geral da Mesa do Senado, Sarah Abrahão, escreveu no livro ‘Memórias do Senado’ que o pacote poderia ter sido ainda mais duro não fosse a intervenção de Petrônio Portella. Segundo ela, a intenção dos militares era “acabar com o Congresso Nacional”. Portella fazia parte do grupo que elaborou o pacote e ficou conhecido como Constituintes do Riacho Fundo, referência ao nome da granja onde morava o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, em Brasília, e ao poder legislador concedido ao Executivo pelo AI-5 (Agência Senado).