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Há 40 anos, ditadura impunha Pacote de Abril e adiava abertura política

em Especial
terça-feira, 04 de abril de 2017
Arquivo/Senado

Há 40 anos, ditadura impunha Pacote de Abril e adiava abertura política

No dia 1º de abril de 1977, o Brasil acordou sem Congresso Nacional. O presidente da República, general Ernesto Geisel, tirou da gaveta o Ato Institucional 5 (AI-5), que não era usado desde 1969, para colocar o Parlamento em recesso

Arquivo/Senado

Cerimônia de posse do presidente Geisel em frente ao Congresso, em 1974:
três anos depois, ele fecharia o Legislativo.

Duas semanas depois, Geisel anunciou um conjunto de medidas conhecido como Pacote de Abril, composto por uma emenda constitucional e seis decretos, e reabriu o Congresso. O pacote completará 40 anos no dia 14.

O objetivo principal do pacote era dar ao partido do governo, a Arena, o controle do Legislativo, com o aumento das bancadas do Norte e do Nordeste na Câmara dos Deputados e a eleição indireta de um terço dos senadores, a serem escolhidos por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias legislativas e por delegados das câmaras municipais.

Quarto presidente militar dos cinco que o Brasil teve após 1964, Geisel havia assumido o governo em 1974 com a promessa de conduzir o país à redemocratização por meio de uma “abertura lenta, gradual e segura”. Mas o surpreendente resultado positivo do partido da oposição, o MDB, nas eleições legislativas do mesmo ano colocou os militares em alerta.

A gota d’água foi a rejeição pelo Senado da proposta de reforma do Judiciário. A iniciativa encontrou resistência do MDB, e a Arena não tinha os dois terços de votos necessários para emendar a Constituição. “Esse foi apenas o pretexto. O pacote foi uma reforma política para fornecer condições de sobrevivência ao regime militar, que se encontrava em processo de dissolução”, explica o consultor legislativo e historiador Marcos Magalhães.

Charge publicada em 1977 critica o Pacote de Abril, imposto pela ditadura militar. Ele ressalta que, ao assumir, Geisel encontrou um contexto desfavorável. Nas Forças Armadas, precisava conciliar grupos antagônicos, um deles favorável ao endurecimento do regime. Na economia, a situação também era delicada. O “milagre econômico”, no qual o governo Médici havia garantido sustentação, tinha se transformado em recessão, agravada pela crise internacional do petróleo. Do ponto de vista político, os resultados das eleições de 1974 sinalizavam que Geisel teria dificuldades no Legislativo. Na Câmara, o MDB ficou com 44% das vagas. No Senado, com 16 das 22 cadeiras em disputa (um terço das vagas).

Para o professor de ciência política da UnB, David Fleischer, o principal efeito do Pacote de Abril foi evitar que o MDB fizesse maioria no Senado nas eleições seguintes. Na Câmara, o aumento do número de deputados não resultou em diferença significativa, apenas quatro vagas a mais para a Arena. “Foi um passo atrás para a redemocratização do Brasil, mas, na visão de Geisel, necessário ao processo de entregar o país a civis nos quais os militares confiassem”, avalia Fleischer. As medidas do pacote começaram a cair em 1980, quando o Congresso aprovou emenda restabelecendo as eleições diretas para governador e acabando com a escolha indireta de senadores.

Franco Montoro, senador por São Paulo, era líder do MDB no Senado.Resistência
Marcos Magalhães lembra o papel que os senadores do MDB tiveram nos dias difíceis que se seguiram ao pacote, entre eles Franco Montoro, Itamar Franco, Marcos Freire e Paulo Brossard. O MDB montou estratégia para ocupar a tribuna do Plenário com discursos contra o regime. O primeiro foi Montoro, líder do partido: — O MDB protesta em nome da consciência nacional contra o grave retrocesso político representado pelas medidas tomadas pelo Executivo.

Coube ao jurista Paulo Brossard, conhecido por sua oratória inflamada, fechar a série. Ele foi o autor do discurso contra a reforma do Judiciário o qual foi considerado o estopim para que o governo fechasse o Congresso. Em maio de 1977, Brossard chamou a atenção para a singularidade do regime no Brasil, que misturava instrumentos autoritários com o funcionamento parcial de instituições democráticas, modelo único entre as ditaduras latino-americanas:

“O regime que pretenderam instituir no nosso país, reunindo a um tempo, a suposta legalidade e o puro arbítrio, a convivência de duas ordens, uma pretensamente constitucional, a outra declaradamente extralegal, tinha de dar no que deu, pela singela razão de que elas são incompatíveis, excluem-se reciprocamente, motivo pelo qual, em verdade, as duas ordens nem são duas, nem são ordens: a desordem é uma só”.

Mediação
Por discursos como esses, os senadores do MDB correram risco de cassação. Foi o que acabou acontecendo em junho de 1977 com o deputado federal Alencar Furtado. Marcos Magalhães lembra a tarefa assumida por representantes da Arena de evitar mais perdas de mandato: “Sabemos do papel de alguns mediadores, como o presidente do Senado, Petrônio Portella, homem forte do regime. O dispositivo de segurança do regime militar continuava efetivo. Geisel se propôs a desmontá-lo, mas teve grande dificuldade”.

A ex-secretária-geral da Mesa do Senado, Sarah Abrahão, escreveu no livro ‘Memórias do Senado’ que o pacote poderia ter sido ainda mais duro não fosse a intervenção de Petrônio Portella. Segundo ela, a intenção dos militares era “acabar com o Congresso Nacional”. Portella fazia parte do grupo que elaborou o pacote e ficou conhecido como Constituintes do Riacho Fundo, referência ao nome da granja onde morava o chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, em Brasília, e ao poder legislador concedido ao Executivo pelo AI-5 (Agência Senado).