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Empresas familiares evitam investir em ESG por falta de relatórios oficiais publicados por agências reguladoras

em Especial
segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Sheila Shimada (*)

Muito embora mundialmente haja esforços relevantes por parte das entidades e reguladores em relação à transparência do ESG, para que gestores possam tomar boas decisões de investimento, a realidade é que ainda há poucas ferramentas disponíveis para os family offices viabilizarem esse tipo de investimento sustentável.

Embora as empresas familiares estejam cada vez mais preocupadas com a realização efetiva e estejam trabalhando relativamente rápido na evolução da realização desses investimentos, aumentando o desenvolvimento desse setor, a verdade é que os investidores brasileiros ainda são muito tímidos com relação aos investidores internacionais, que já entenderam muito mais o andamento do mercado e a necessidade da atenção a esta área.

Um dos motivos que mais trava a realização dos investimentos em ESG pelos family offices brasileiros, pode ser identificado como a ausência de informações precisas sobre como se comporta o setor.

As gerações mais experientes que hoje comandam grandes empresas nacionais e suas respectivas estruturas societárias como holdings, coligadas, controladas, offshores, bem como as respectivas empresas de gestão de patrimônio têm opiniões divididas em relação ao assunto, sendo o tema discutido a respeito da matéria ainda carregado de sistemas comprobatórios embrionários que demonstram informações imprecisas ou incompletas, que ainda não conseguem demonstrar com clareza o cenário sistêmico da ESG. 

A maioria dos gestores dessas empresas alegam adotar metodologias internas para avaliar maturidade e o impacto ESG entre as investidas, coligadas e controladas, sem, no entanto, compará-las aos relatórios das agências reguladoras, por ausência de índices e relatórios divulgados e públicos que embasam tais decisões.

As principais razões citadas pelos que ainda não incorporam critérios ESG nas empresas são: a falta de relatórios com uma classificação confiável fundamentadas em índices de ESG publicamente divulgados por uma entidade de referência, além do risco de greenwashing e a escassez de ativos que de fato tenham impacto nessa direção.

Além dessas dificuldades, as empresas familiares brasileiras ainda enfrentam a escassez de métricas confiáveis que possibilitem a melhor tomada de decisões no momento da realização dos investimentos. Dentre as informações relevantes que precisam ser consideradas no momento de definir as margens e a agenda de investimentos nessa área estão:

(i) a fácil identificação e valoração de ações externas negativas eventualmente adotadas pelas empresas investidas. É preciso que as empresas tomem para si a responsabilidade pelos fatores externos que eventualmente possam ocorrer no momento em que se realizam esses investimentos e se reinventem sem elas, ainda que tenham que ser pioneiras em seus setores. 

(ii) Uma série de organizações já se debruçaram sobre a questão da necessidade de se criar parâmetros ESG. A Comissão Europeia prevê o estabelecimento de um padrão ESG para junho do ano 2022 e, paralelamente, há três grupos internacionais de trabalho estudando a criação de normas, métricas e relatórios comuns: o do World Economic Forum em conjunto com as quatro maiores firmas de auditoria do mundo (EY, Deloitte, KPMG e PwC), o da International Organization of Securities Commissions (Iosco), e o do International Business Council (IBC) em parceira com cinco outras entidades de referência. No Brasil, o Banco Central encerrou em abril de 2021 uma audiência pública sobre critérios de sustentabilidade em operações de crédito rural e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) concluiu em março deste ano uma audiência pública sobre simplificação da Instrução 480 e melhorando da divulgação de informações a respeito de práticas ESG das companhias.

Se olharmos pelo ângulo da sustentabilidade, a visão mais consistente atualmente é a de “criação compartilhada de valor”, apresentada por Michael Porter e Mark Kramer em artigo de 2011 para a Harvard Business Review, intitulado “Creating shared value”.

No texto, eles esclarecem que esse conceito exige indicadores objetivos e relevantes para três aspectos (i) redesenhar produtos e mercados sustentáveis, (ii) redefinir o conceito de produtividade na cadeia de valor econômico (iii) possibilitar o surgimento de polos de desenvolvimento locais em cada região considerando a riqueza que cada uma pode gerar.

Porter e Kramer explicam que enquanto algumas empresas já haviam começado a mapear diversos impactos sociais, apenas poucas já tinham conseguido conectá-los aos interesses econômicos das suas linhas de negócio. 

Apesar dos esforços de entidades e reguladores mundo afora em relação à transparência do ESG, para que gestores possam tomar boas decisões de investimento, a realidade é que ainda há poucos recursos e ferramentas disponíveis para os family offices visualizar com clareza os requisitos necessários para realizar os investimentos com métricas mínimas necessárias para a segurança que desejam para si e em alguns casos precisam passar para o comitê de investidores. Até que esses instrumentos estejam consolidados e disseminados, é provável que poucos gestores estarão dispostos a assumir o risco de aprovar uma iniciativa como ESG uma vez que no futuro essa classificação pode ser desconsiderada.

Atualmente o que ocorre são empresas empenhadas em realizar avaliações internas com base em quesitos ESG autoclassificando os mesmos com a insegurança de que amanhã eles possam vir a ser desclassificados, tendo ainda que enfrentar desafios de auditoria, monitoramento e divulgação adequados e de cumprimento de padrões estabelecidos.

Enquanto persistir a ausência de norma administrativa ou legal que defina com clareza os conceitos e limites do que viria a ser o ESG para os investimentos, bem como o que seriam e como seriam feitas as suas metodologias, não será possível conferir a segurança necessária para aderir a essa tendência de investimento sustentável de forma mais consistente de acordo com a perspectiva jurídica. Assim, todo o investimento sustentável que a empresa fizer será classificado como comum e o gozo de seus benefícios e estímulos legais, em tese não poderão ser aproveitados.

(*) – Formada pela Mackenzie, Pós em Direito Processual Civil na PUC-SP, Extensão na FGV Law em Tributação, é professora de direito empresarial na USP. É Mediadora, formada pela Faculdade Legale.