Elefante no Cerrado exerceria papel que já foi de mastodontes
Qual é o continente que reúne a maior quantidade de animais de grande porte do planeta? A África, óbvio, mas nem sempre foi assim. A chamada megafauna, os mamíferos de grande porte pesando mais de 1 tonelada, habitou todos os continentes
![]() Reintrodução de grandes mamíferos em ecossistemas pode ser estratégico para a conservação. |
Peter Moon/Agência FAPESP
Tinha papel fundamental no meio ambiente, por exemplo, espalhando as sementes da flora de cada ecossistema que habitavam, além de comer a vegetação e reciclar nutrientes com suas fezes. Havia preguiças-gigantes e mastodontes na América do Sul, mamutes na América do Norte, Ásia e Europa e parentes gigantes dos cangurus, do tamanho de hipopótamos, na Austrália. Todos foram extintos a partir do contato com o Homo sapiens.
Quais foram as consequências da repentina extinção da megafauna? Como saber se, quando a megafauna habitava, por exemplo, o Cerrado brasileiro ou a Mata Atlântica, tais biomas eram diferentes? Seria a reintrodução da megafauna uma estratégia de conservação viável e eficiente? Um trabalho de revisão, feito por um grupo internacional de pesquisadores e que acaba de ser publicado na revista Proceedings of the National Academy of Science (PNAS), fornece um panorama deste tema, a chamada refaunação trófica.
Um dos autores do trabalho é Mauro Galetti, coordenador do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Biodiversidade do Instituto de Biociências de Rio Claro da Unesp. Ele também é coordenador do Projeto Temático FAPESP “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”.

“Os pesquisadores estão chegando à conclusão de que os grandes mamíferos tinham um papel fundamental nos ecossistemas e, provavelmente, também no clima das áreas em que ocorriam. Por conta disso, tem-se sugerido reintroduzir experimentalmente grandes mamíferos de volta à natureza. Não apenas no Brasil, mas em outros locais, como, por exemplo, na Grã-Bretanha, uma ilha completamente isenta de grandes mamíferos, mas que já teve lobos, javalis e ursos”, disse.
A refaunação trófica, como explica Galetti, trata da ideia da introdução de animais de grande porte responsáveis por funções tróficas essenciais, cujo nichos ecológicos deixaram de ser ocupados com a extinção da megafauna original. Com isso, elefantes e cavalos poderiam exercer no Cerrado o papel que já foi dos mastodontes, das preguiças-gigantes e dos gliptodontes (os tatus gigantes) e das manadas de cavalos e camelos americanos, todos extintos. “O Cerrado abrigava uma fauna de grandes mamíferos impressionante há pouco mais de 10 mil anos, o elefante de hoje é um substituto do mamute de ontem”, disse.

Galetti ressalta que a refaunação trófica não deve ser feita em reservas biológicas, mas em áreas privadas e controladas e em locais experimentais. “As reservas biológicas devem ficar como estão e não podem ser usadas para esse tipo de experimento.” A estratégia pode ser empregada em áreas onde se deseja implementar a conservação biológica. “Não é para transformar uma já existente.”
Estudos em biomas brasileiros
Segundo Galetti, o próprio Pantanal é um grande experimento de refaunação. No bioma, além da fauna silvestre, há porcos-monteiro, gado e cavalos selvagens. “Muita gente acha que os porcos-monteiro, que foram trazidos e soltos há cerca de 200 anos, têm que ser removidos do Pantanal porque são exóticos. Mas demonstramos que esses porcos-monteiro são excelentes dispersores de sementes de muitas plantas no Pantanal. Ressalvando-se que, quando em alta densidade, a espécie pode ser nociva ao meio ambiente, como qualquer espécie”, disse.
Se no Cerrado a refaunação trófica poderia ocorrer apenas em áreas pequenas e experimentais, na Mata Atlântica o processo teria que ser feito com animais pequenos e em áreas restauradas que estão vazias devido à caça, segundo o professor da Unesp. Alguns projetos de refaunação na Mata Atlântica estão sendo feitos no Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro, com a reintrodução de cutias e bugios. “Muitas espécies de plantas dependem dos animais para dispersar suas sementes. E o resultado é que as cutias e os bugios estão ajudando muitas plantas a serem dispersas”, disse Galetti.

A meta da refaunação seria aprender com o manejo dos animais qual foi o papel da extinção da megafauna sobre o clima, o solo, o estoque de carbono, sobre a restauração do ecossistema, a dispersão de sementes, o fogo, etc. “O Cerrado possuía mais animais acima de uma tonelada do que a África de hoje. Quais foram as consequências ecológicas do seu desaparecimento? Ninguém sabe. A maioria dos pesquisadores acha que tudo foi moldado pelo fogo ou pelo solo”, complementa Galetti.