Crise de refugiados e violência ameaçaram direitos humanos em 2015
Calamidade, sofrimento, violência, abuso, injustiça e discriminação são algumas das palavras mais recorrentes nas 238 páginas do relatório da Anistia Internacional O Estado dos Direitos Humanos no Mundo – 2015
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De acordo com o estudo, as políticas e mecanismos de garantia de direitos humanos regrediram em todo o planeta no ano passado. Dos conflitos armados à fome, da repressão governamental à impunidade de agentes públicos, a lista de barbáries é longa e continua crescendo, segundo a entidade.
“Termos chegado a um ponto tão baixo justamente quando a ONU completa 70 anos, depois de sua criação exortar as nações a se unirem para ‘salvar as gerações futuras do flagelo da guerra’ e ‘reafirmar a crença nos direitos humanos fundamentais’, coloca-nos uma questão simples, mas inevitável: será o sistema de leis e instituições internacionais adequado para a urgente tarefa de proteger os direitos humanos?”, questiona o secretário-geral da Anistia, Salil Shetty, na introdução do relatório.
Crise migratória na Europa
Somando-se a mazelas já conhecidas no planeta e antigos conflitos armados internos e entre Estados, a crise de refugiados em 2015, sobretudo de sírios, evidenciou a incapacidade do sistema internacional em lidar com deslocamentos em massa e crises humanitárias.
“O conflito sírio se tornou um exemplo da proteção inadequada de populações civis em risco e, de modo mais amplo, do fracasso sistemático das instituições em fazer valer o direito internacional”, afirma Shetty, ao enfatizar que o estudo não consegue “carregar a profundidade da tragédia que as crises de 2015 imprimiram em cada ser humano, sobretudo a crise dos refugiados, agora agravada pelo inverno no hemisfério Norte”.

“Essas conquistas não foram alcançadas pela benevolência dos Estados. Os governos devem permitir espaço e liberdade para que os ativistas e defensores dos direitos humanos realizem seu trabalho fundamental”, avalia o secretário-geral.
De acordo com o diretor executivo da Anistia no Brasil, Atila Roque, os dispositivos criados depois da 2ª Guerra Mundial para evitar tragédias ocasionadas nas duas grandes guerras – como o Tribunal Penal Internacional – têm sido esvaziados pelas grandes potências. “Um descompromisso que leva essas nações a não financiar os órgãos, como também, muitas vezes, a sabotar ativamente a atuação destes, com o uso do veto dos seis países no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra ações em situações de crise humanitária”. Para Roque, os países precisam rever esses comportamentos, e a sociedade deve pressioná-los nesse sentido.
Nas Américas, as violações mais preocupantes em 2015, segundo a Anistia Internacional, foram as perseguições a defensores dos direitos humanos, principalmente aos que atuavam para enfrentar a corrupção ou defender direitos das mulheres e dos povos indígenas. Sistemas de segurança e de Justiça fracos, corruptos e carentes de recursos compactuaram com as impunidades, diz o texto. De cada 100 homicídios cometidos na América Latina, por exemplo, apenas 20 resultaram em condenação.
No Brasil, o Poder Legislativo foi citado como fator de piora nos direitos humanos no ano passado pela aprovação de medidas conservadoras que atingem mulheres, jovens e indígenas, por exemplo. A violência policial, a repressão às manifestações sociais e remoções injustas provocadas pelas obras dos Jogos Olímpicos do Rio 2016 também contribuíram para o retrocesso dos direitos no país, segundo o relatório.

De acordo com a entidade, oito dos dez países mais violentos do mundo em 2015 são da América Latina e no Caribe. Em quatro deles – Brasil, Colômbia, México e Venezuela – se cometeu um de cada quatro homicídios violentos ocorridos no mundo. A Anistia registrou relatos de níveis elevados de violência de gênero em países como Guatemala, Guiana, El Salvador, Jamaica, Trinidad e Tobago, entre outros. Torturas e maus tratos por policiais também foram registrados em grande escala nas Américas em 2015. O texto cita casos na Argentina, Bolívia, Brasil e México.
Apesar dos retrocessos, a região também teve iniciativas positivas de defesa dos direitos humanos em 2015, como o avanço nas conversações de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs), e a criação de um mecanismo nacional para a prevenção da tortura e registro nacional das vítimas no Peru.
África

Denúncias de violência sexual e de gênero foram generalizadas no continente, e muitas crianças foram sequestradas ou recrutadas como soldados de grupos criminosos. No entanto, a Anistia também identificou reformas e medidas positivas para os direitos humanos em diversos países africanos, como na Mauritânia, em que uma nova lei definiu a tortura e a escravidão como crimes contra a humanidade e baniu a detenção secreta (ABr).