Amostras de pescado apresentam conservação inadequada
Filés congelados de polaca do Alasca (Gadus chalcogrammus) importados se tornaram uma opção de pescado com preços acessíveis ao consumidor
Polaca do Alasca vendida no Brasil é processada na China. |
Júlio Bernardes/Agência USP de Notícias
Porém, as condições de armazenamento e exposição em supermercados apresentam problemas que podem deteriorar o produto, aponta pesquisa da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. O trabalho da pesquisadora Tarcila Lange também mostra a ausência de informações sobre a procedência do pescado nas embalagens. A conservação inadequada pode levar ao desenvolvimento e a sobrevivência de micro-organismos nocivos à saúde humana no pescado.
A polaca do Alasca é um pescado de carne branca encontrado em águas frias e temperadas ao norte do Oceano Pacífico. O produto vendido no Brasil é processado na China. “A desoneração de impostos para produtos chineses no Brasil aumentou exponencialmente a oferta a preços acessíveis dos filés congelados nas gôndolas dos supermercados, estimulando seu consumo e tornando-se uma preocupação para as autoridades de saúde pública”, aponta Tarcila.
O pescado é um alimento altamente perecível e pode tornar-se um importante veículo na transmissão de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs), infecções causadas por bactérias e suas toxinas, vírus e parasitas, que podem provocar náuseas, vômitos, falta de apetite, diarreia, dores abdominais e febre, sendo os seguintes micro-organismos os agentes associados ao seu consumo: Vibrio spp, Salmonella spp, Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Escherichia coli, Clostridium perfringens, Listeria monocytogenes, Aeromonas spp. e Shigella spp.
“O pescado congelado apresenta contagem microbiana menos expressiva que o pescado fresco, porém, a Pseudomonas e o Enterococcus, bactérias com capacidade de crescer em temperatura de refrigeração, também podem ser encontrados”, afirma a pesquisadora. “Apesar de não existirem estimativas específicas para Polaca do Alasca, dados da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) mostraram que, de 2000 a 2013, 39,8% dos surtos de DTAs registrados ocorreram na região Sudeste do Brasil, sendo o pescado considerado o veículo em 85 casos”.
A pesquisa foi realizada em 88 supermercados de quatro municípios da região do ABC, na Grande São Paulo, dos quais 30 foram selecionados segundo o critério de inclusão, que era a venda de filés de polaca do Alasca congelados com indícios de descongelamento. “Todas as amostras selecionadas apresentavam a consistência amolecida, compactação ou deformação dos filés e presença de gelo no interior das embalagens”. Em cada supermercado estudado aplicou-se um checklist, uma listagem composta por 32 itens distribuídos em dois blocos.
“O bloco 1 permitiu a avaliação das principais condições dos equipamentos de congelamento que poderiam interferir na qualidade do pescado congelado, tais como tipo de equipamento; estado de conservação; capacidade de abastecimento; manutenção da temperatura; e, limpeza e organização. No bloco 2, avaliou-se as condições do produto, entre elas embalagem, rotulagem, características sensoriais e temperatura”, conta Tarcila.
As principais não conformidades encontradas no checklist relacionadas aos equipamentos foram a falta de veracidade na temperatura indicada no termômetro (66,6%), presença de restos de alimento no fundo do equipamento (50,0%), excesso de gelo (36,6%), abastecimento excessivo de produtos (33,3%), falta de termômetro (33,3%) e situação propícia à contaminação cruzada (16,6%). “Esse tipo de contaminação pode ocorrer quando há exposição desorganizada dos filés de pescado juntamente com carnes bovinas, suínas ou de aves”, diz a pesquisadora.
Com relação ao pescado congelado exposto à venda, as principais não conformidades foram a presença de cristais de gelo (100,0%), temperatura abusiva, superior a menos 12 graus Celsius (-12ºC), (100,0%), alterações no formato do filé (26,6%) e de consistência (20,0%). “No que diz respeito à rotulagem, havia falta de conformidade quanto a ausência do carimbo do Serviço de Inspeção Federal [83,3%], falta de informação sobre o importador [30,0%] e o produtor [30,0%] e ausência de indicação de marca comercial [16,6%]”, destaca Tarcila.
As amostras foram submetidas às análises físico-químicas para determinação do nitrogênio das bases voláteis totais (teor de amônia e aminas) e da trimetilamina. “Nenhuma das amostras de filé congelado apresentavam indícios de deterioração, mas todas tinham níveis inadequados de pH [acidez], o que indica a existência de condições favoráveis para a sobrevivência e desenvolvimento de micro-organismos”, observa a pesquisadora. Como não há regulamentação dos parâmetros para pescado congelado, o estudo seguiu a norma válida para o pescado fresco.
“As análises microbiológicas dos filés congelados, pesquisa de Salmonella spp em 25 gramas (g) e contagem de Staphylococcus coagulase positiva, apresentaram 100,0% de conformidade com os padrões legais, com a ausência em 25g e contagem menor de 103 Unidades Formadoras de Colônias por grama (UFC/g), respectivamente”.
Segundo Tarcila, a legislação sanitária regulamenta que o estabelecimento deve assegurar a qualidade e a segurança dos alimentos expostos à venda. “Na pesquisa, entre os mais relevantes requisitos não cumpridos estão a falta de clareza na indicação da temperatura dos equipamentos ao consumidor e o desrespeito aos preceitos das boas práticas relacionados à exposição dos produtos à venda, visível no abastecimento excessivo e na desorganização”, ressalta.
“Também há deficiências evidentes na manutenção da temperatura ideal de conservação do pescado congelado (entre – 12ºC e – 18ºC)”. A pesquisa é descrita na tese de doutorado “Avaliação das condições higienicossanitárias e análise de parâmetros micobiológicos, físico-químicos e sensoriais de filés de Polaca do Alasca (Gadus chalcogrammus) congelados expostos à venda em supermercados da Grande São Paulo”, orientada pelo professor Pedro Manuel Leal Germano, da FSP.
Para a conservação da qualidade da Polaca do Alasca cabe ao comércio varejista a adoção de um rigoroso e pormenorizado controle de temperatura durante toda a cadeia de distribuição. “Para tanto, três pontos são essenciais: a manutenção da temperatura do produto entre – 12ºC e – 18ºC, o correto dimensionamento de equipamentos de acordo com sua capacidade de abastecimento e a capacitação dos funcionários em boas práticas de manipulação dos alimentos”, diz a pesquisadora.
A verificação do cumprimento dessas diretrizes pelos agentes da Vigilância Sanitária deveria ser mais criteriosa. “Campanhas de educação sanitária, com enfoque na conscientização do consumidor, sobre as características sensoriais ideais de um pescado congelado, a faixa de temperatura em que deve ser mantido e a sua correta forma de exposição à venda, poderiam minimizar as inadequações cometidas pelos supermercados”.