Armando Luiz Rovai (*)
As pequenas e médias empresas padecem de conhecidos males brasileiros, entre os quais, o pior deles, a insegurança: jurídica e negocial.
A falta de uniformidade decisória de nossos Tribunais e o descumprimento de contratos são as principais causas da aludida insegurança, que geram desincentivo ao empreendedorismo e a investimentos. Quando uma empresa é impactada pela insegurança, seja ela jurídica ou negocial, a sua pior consequência é o encerramento de suas atividades, com a demissão de funcionários e a suspensão da geração de empregos, renda, inovação e recolhimento de impostos; o que, tecnicamente, pode ser designado como impacto negativo na sua função social.
Especificamente em relação ao sistema Judiciário brasileiro, temos sérios problemas caracterizados pela sua lentidão e por ser contraditório para as causas privadas, principalmente, na seara trabalhista. Do ponto de vista tributário, temos regras profusas e confusas, fiscalizadas por um aparato estatal insensível, apresentadas por um quebra-cabeça formado por peças antiempresariais.
Neste cenário, e para superar a pandemia da Covid-19, precisamos que as empresas e os empresários tenham segurança jurídica e negocial. E, para isso, não há dúvida de que a solução está em novos investimentos. Contudo, como enfrentar tal situação se não há dinheiro em circulação para investir? A resposta está no crédito e no modo como este pode ser obtido para fomentar a economia e suas atividades empresariais. É de se ressaltar que o grau de segurança jurídica e a facilidade para a obtenção de crédito implica até mesmo em redução das taxas de juros.
Entretanto, temos hoje, de modo preocupante, uma proposta oriunda do grupo de Inovações do Mercado de Capitais do Ministério da Economia que modifica cerca de 100 anos de conteúdo normativo estável. Ora, vale lembrar que quando prescrições normativas funcionam bem, por tanto tempo, há sempre boas razões para mantê-las! A obtenção de um crédito depende, em geral, do oferecimento de uma garantia para os credores. Para que a sociedade tenha conhecimento de que bens já foram dados em garantias funciona o sistema de Registros Públicos.
Pois, para uma garantia valer contra todos os membros de uma sociedade, é preciso que haja condições reais de conhecimento da garantia. Um registro de difícil conhecimento não tem efeito jurídico algum em um mundo em que as pessoas podem se socorrer ao Poder Judiciário. Após o registro realizado corretamente, o credor opõe sua garantia em face de todos os membros da sociedade, mesmo que não tenham participado do contrato.
O registro da garantia, portanto, é feito no interesse de toda a sociedade ou de todo um mercado, para que ninguém seja lesado ao negociar sem o conhecimento, real ou potencial, de que o bem está servindo de garantia a um credor. No caso de imóveis, as garantias podem ser consultadas no cartório da localização do bem. No caso dos bens móveis, no cartório de Títulos e Documentos, mas qual? Como os contratos estão sob a guarda do credor e são registrados no seu interesse, é evidente a competência do cartório do domicílio do credor para esta finalidade.
O registro da garantia exclusivamente no domicílio do credor era a regra do Decreto Lei 911/1969, na gestão do Ministro Delfim Netto, que instituiu a alienação fiduciária dos bens móveis. O registro no domicílio do credor igualmente permite que um terceiro de boa-fé pesquise a situação de determinado devedor que mudou de domicílio desde a constituição de garantia. Mas a competência do registro deve incluir, ainda, o domicílio do devedor, a fim de permitir que o terceiro de boa-fé pesquise a situação da pessoa com quem vai contratar no cartório do seu domicílio.
Esses registros repetidos não são excessivos. Nenhum credor quer discutir judicialmente a boa-fé de um terceiro e arriscar perder a garantia de um devedor inadimplente. Por isso o registro no domicílio do credor e no domicílio do devedor tem sido uma norma jurídica estável e centenária no nosso Direito. É esta a razão de não haver mais discussão judicial, em um país com milhões de demandas, sobre terceiros de boa-fé no crédito com garantia móvel.
No século 19 a competência dos cartórios era incerta e “a presunção de conhecimento deveria ser apreciada pelo juiz, em cada caso” nas palavras de Serpa Lopes. Ocorre que o Ministério, preocupado com o custo do duplo registro, propõe uma regra em que o registro no domicílio do credor fica proibido. Isso prejudica os credores. Hoje o primeiro ato de inscrição ocorre no mesmo dia da apresentação dos contratos, pelos credores, nos cartórios de seus domicílios. Amanhã passarão dias sem qualquer proteção jurídica.
O devedor poderá falir ou contratar com terceiro de boa-fé enquanto o credor tenta o registro. Pior, ainda é proposta uma localização incerta do registro, o que desmonta a segurança jurídica do sistema inteiro. Na minuta é previsto um único registro, em qualquer cartório, mesmo se diversos devedores ou garantidores tenham domicílios diferentes.
Será comum que um terceiro de boa-fé pesquise os cartórios do domicílio do devedor e do credor e não encontre nada, pois o registro foi feito apenas no cartório do domicílio do garantidor. O terceiro, se lesado ao contratar com o devedor, poderá opor judicialmente sua boa-fé contra o credor. Há risco de que pessoas eivadas de má-fé aleguem desconhecimento da garantia. É preciso uma norma que permita o registro nos cartórios do domicílio do credor, nos domicílios de todas as partes e que, ainda, tenha custo justo e adequado.
Enfim, é de se concluir que o Brasil, infelizmente, ainda dá pouca importância para a segurança jurídica e negocial e consequente estabilidade no ambiente empresarial. Seu pleno desenvolvimento depende do entendimento de que a solução para o país atingir o equilíbrio econômico e social está no seu implemento.
Somente, assim, estimulando investimentos e novos empreendimentos que surgirão novos empregos, mais tributos, renda, elementos responsáveis o desenvolvimento econômico, em benefício de todos.
(*) – É doutor em Direito pela PUC/SP, Professor de Direito Comercial do Mackenzie e PUC/SP. Foi Presidente da JUCESP e do IPEM/Sp. Foi Secretário Nacional do Consumidor – Senacon.