117 views 8 mins

Criptomoedas: regulação fundamental, porém desafiadora

em Economia
quarta-feira, 05 de outubro de 2022

Nelson Mitsuo Shimabukuro (*)

O mercado de criptomoedas, com o significativo volume financeiro envolvido, veio para ficar, porém tecnologias complexas e dinâmicas trazem dúvidas adicionais. Em primeira instância porque se iniciou fora do sistema econômico tradicional, que é altamente regulado e controlado pelos Governos Federais.

O alto componente tecnológico e sofisticado dos sistemas blockchain trazem complexidade adicional ao entendimento das efetivas possibilidades financeiras e operacionais, agregando ainda mais dificuldades para o mercado em geral. Uma outra questão são as fraudes, instabilidades e suposta ligação com o submundo do crime, trazem uma pitada a mais de questionamentos sobre a real necessidade de regulação, que é inexorável.

. Atual estágio das criptos – Segundo dados da Forbes divulgados em maio de 2022, o Brasil tem, atualmente, mais de 10 milhões de brasileiros investindo em criptoativos, ficando, assim, entre os cinco países do mundo com maior número de investidores nesse mercado, atrás, apenas, de Índia, EUA, Rússia e Nigéria.

O mercado de criptomoedas tem o capitalização de mercado de USD 1.018.53 Bilhões, 13.369 moedas listadas e movimenta USD 81,66 Bilhões em 24 horas, de acordo com o site Cripto (27/09/2022), ou seja, continua bastante dinâmico mesmo com todas as especulações favoráveis e desfavoráveis. Atingiu seu pico de capitalização de mercado valendo USD 2,5 Trilhões (maio/2021). Em 2013 todo o mercado de criptomoedas valia USD 1,5 Bilhões, ou seja, valorizou 178.471% de 2013 a 2021.

. Recentes desvalorização e perdas – Nos últimos meses, a desvalorização do mercado de criptomoedas deixou muitos assustados e até desesperados, pois uma queda de mais de 50% desde o pico é bem expressiva, negativamente. Gerou um efeito “manada” de saída dos investidores menos avessos à risco, colocando em dúvidas se efetivamente as criptomoedas vieram para ficar, ou se entrarão para a lista de soluções promissoras e que em algum momento foram abandonadas.

Grande parte da desvalorização se deve à crise mundial, aversão ao risco e aumento mundial das taxas de juros. Esses movimentos bruscos do mercado de criptomoedas, positivos e negativos, demonstraram a necessidade de regulação, principalmente para proteger os investidores comuns e mais desavisados.

. Desafios em regular tecnologias – Pela natureza das tecnologias disruptivas em não ter paralelo histórico e não se saber ao certo os possíveis desdobramentos futuros, fica bem difícil estabelecer os limites e foco da regulamentação.

No caso específico das criptomoedas, o conceito inicial sugerido é a descentralização do poder do Estado e o fornecimento de criptomoedas é feito pelas empresas, pessoas ou instituições de forma autônoma.

Já vimos no passado desafios semelhantes, como a regulação da Internet. Tivemos promulgado o Marco Civil da Internet apenas 2014, consiste em uma lei sancionada pela presidente Dilma Rousseff (Lei 12.965 de 23/06/2014) que estabelece diretrizes para o uso da internet no Brasil — princípios, garantias, direitos e deveres das partes.

Algumas décadas se passaram até que tivéssemos no Brasil tal lei. Os crimes cibernéticos até 2014 eram julgados com base no Código Civil Brasileiro da década de 50, ou seja, bastante limitado e não adequado às possibilidades que a Internet traz.

. Novos modelos de negócio – Recentemente, dentro do ecossistema de criptomoedas surgiram novos conceitos. Finanças Descentralizadas (DeFi-Decentralized Finance) elimina intermediários ao permitir que pessoas, comerciantes e empresas façam transações diretamente, utilizando protocolos de segurança, software e equipamentos.

Outro fenômeno recente foram os NFTs (Non Fungible Tokens — Tokens não Fungíveis). Um ativo que transforma, basicamente, qualquer coisa do mundo digital em um bem único, exclusivo e com autenticidade garantida pela rede Blockchain.

Sendo possível comercializar, com criptomoedas, desde músicas, itens de jogos e até artes digitais, entre outras possibilidades, já que, como serão únicos, na teoria, apenas o usuário que fizer a compra terá direito oficial a usar o produto.

Em 2021, o influenciador digital e youtuber americano Logan Paul criou uma arte dele mesmo segurando cartas de Pokémon e gerou NFTs. Aos compradores, determinou que um estoque de três mil unidades e cada um custava 1 ether (ETH); arrecadou o proporcional a mais de US$ 5 milhões.

. Fraudes – Com o crescimento das transações com criptomoedas, os crimes cibernéticos vêm crescendo exponencialmente no mundo inteiro. De o Crypto Crime Report 2022, os crimes e fraudes com criptomoedas totalizaram US$ 21 bilhões em 2021, aumentando 79% em relação a 2020.

Somente em maio de 2022, mais de 200 mil fraudes foram detectadas, de acordo com Kaspersky em sua plataforma de proteção de dispositivos. A facilidade de troca de criptoativos, suposta privacidade nas transações e promessa de se ganhar dinheiro fácil também tem motivado pessoas a se aventurarem neste mercado.

. Conclusões – As propostas de regulação do mercado de criptomoedas avançaram no Congresso Nacional no último ano. Em maio de 2022, o Senado Federal aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.401/2021, originário da Câmara dos Deputados (PL nº 2.303/15), que procurou conciliar normas de vários projetos em um só documento.

A expectativa é de que o Brasil tenha uma lei para os criptoativos ainda neste ano, propiciando um arcabouço legal para a evolução do setor. Entretanto, é necessário haver um balanceamento entre os interesses econômicos do Estado com o avanço das inovações e eficiência dos sistemas financeiros, evitando erros de se regular em demasia o que dificultaria a evolução do setor, ou tentar controlar o incontrolável.

Buscar a regulação mais adequada, requer utilizar um espectro de ferramentas e políticas, estabelecer relações de governança e normas ao ecossistema como um todo. O mercado de criptomoedas no Brasil ficou grande demais e com as fraudes se avolumando cria-se se o cenário de emergência de regulamentação, garantindo o equilíbrio entre os avanços tecnológicos e o avanço da sociedade.

(*) – É Mestre em Administração em Ambientes Digitais da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).