Falar de processos no contexto das empresas que produzem bens ou serviços criativos pode parecer uma contradição. Afinal, a criatividade pressupõe autonomia criativa e uma certa liberdade de ação.
Historicamente, processos sempre foram associados a estruturas estáticas e inflexíveis. Esse entendimento tem origem nos processos de produção fabris, que enfatizam a mecanização e a repetição das atividades. Uma estrutura de processos seria, portanto, incompatível com empresas que têm como base a criatividade e que necessitariam de maior flexibilidade.
Surpreendentemente, empresas das indústrias criativas são mais “processualizadas” do que se poderia esperar. Isto se dá em decorrência de características estruturais próprias do setor, das quais iremos destacar a cocriação e o trabalho em rede, relacionados às dinâmicas de interação das equipes de produção. A criação de produtos e serviços criativos pressupõe o envolvimento de pessoas com competências complementares que trabalham de forma colaborativa, integradas em um ambiente de rede dentro ou fora dos limites da organização.
Para ilustrar esta dinâmica, usarei como exemplo o processo de montagem do evento NXT®, um evento ao vivo de luta livre produzido pela WWE[1], que ocorre semanalmente na Full Sail University. Trabalhei neste evento ao longo de um ano, e pude observar o processo de montagem de forma detalhada.
A montagem do NXT® dura aproximadamente dois dias e conta com a participação dos alunos da instituição, de especialistas técnicos, de fornecedores externos e da equipe interna da WWE. Todo o processo de montagem é cuidadosamente coreografado para minimizar erros e garantir a execução dentro do cronograma do evento. É um processo quase industrial, onde atividades são executadas na mesma ordem e repetidas a cada semana.
No decorrer do ano, pude observar que algumas das falhas no processo de montagem foram geradas pela falta de integração entre as pessoas envolvidas. Em seguida irei destacar três situações de natureza diversa que geraram impactos significativos durante a produção do evento.
Posicionamento inadequado dos insumos necessários:
-Caixas contendo componentes essenciais da estrutura de iluminação foram armazenadas em lugar diferente do usual pela equipe de logística. A equipe de montagem demorou 40 minutos para localizar o equipamento, gerando um efeito cascata no cronograma de todo o evento. Para recuperar o tempo perdido, foi necessária a alocação de recursos adicionais e a adaptação do roteiro do show para acomodar a falta de alguns componentes.
Indisponibilidade de pessoas chave:
-O supervisor de montagem da equipe interna da WWE esteve indisponível para um dos eventos, sendo alocado um substituto que não conhecia os processos da WWE. A falta de documentação e guias para orientar o substituto gerou uma grande confusão quanto às atividades a serem realizadas para a montagem do palco. A montagem foi realizada com o apoio das equipes de campo, que conheciam o processo e auxiliaram o substituto. Essa situação demonstrou a fragilidade dos processos da WWE, que dependiam da presença de certas pessoas chave para a execução correta dos processos de produção.
Falhas na manutenção de equipamentos fornecidos por terceiros:
-A empresa de locação responsável por fornecer equipamentos audiovisuais enviou câmeras cuja manutenção não havia sido realizada adequadamente. Dos seis equipamentos enviados, dois não funcionaram. O fornecedor foi acionado, no entanto a troca só ocorreu instantes antes do início do evento, gerando enorme stress para a equipe de filmagem.
Os exemplos citados acima podem ocorrer em qualquer produção de eventos ao vivo, no entanto pude observar que a existência de processos de trabalho claros e explícitos facilitavam a coordenação de equipes multidisciplinares e minimizavam erros. Em suma, processos no contexto das empresas que produzem bens ou serviços criativos são necessários, no entanto precisam ser desenhados com um certo grau de flexibilidade.
Andrea Löfgren – Especialista em Processos e Projetos, com mais de vinte anos de experiência em gestão de processos e planejamento operacional. Atuou em empresas de diversos segmentos incluindo consultoria de gestão, telecomunicações, tecnologia da informação, serviços financeiros, óleo & gás, megaeventos, parques temáticos e associações de classe. Hoje é sócia da Gig Flows, uma consultoria de gestão que se dedica exclusivamente ao planejamento estratégico e melhoria de processos para empresas das Indústrias Criativas e do Entretenimento ao vivo. Andréa é advogada formada pela PUC-RJ com MBA pelo IAG PUC-RJ e Master’s Degree em Entertainment Business pela Full Sail University, Mestre em Gestão da Economia Criativa pela ESPM e finalizando uma pós-graduação em Direito Intelectual pela PUC-RJ.
[1] World Wrestling Entertainment