Telmo Schoeler (*)
Em todo lugar, empresas podem entrar em dificuldades em decorrência de incapacidade financeira. Nos países desenvolvidos, mais de 80% têm sucesso na recuperação, enquanto no Brasil ocorre justamente o contrário: mais de 80% acabam em falência e encerramento de atividades. Como na vida não tem prêmio nem castigo, mas apenas consequência, é preciso entender as razões dessa trágica realidade local.
- Empresários acham que a solução para seu problema de incapacidade de pagar débitos está com seu advogado e no judiciário, razão pela qual, como ato corretivo, ligam para o advogado mais próximo e em quem confiam.
- A ampla maioria dessa estrutura jurídica, por desconhecimento técnico das causas das dificuldades ou por conveniência operativa, concorda com os empresários e assume o comando da tarefa de recuperação.
- Os credores, quer por falta de capacidade ou de vontade, em sua maioria e em quase todos os casos, preferem não encarar o problema e muito menos se envolver na busca da solução, com receio de serem eventualmente responsabilizados por alguma decisão ou ato que não produza os efeitos desejados e esperados.
- Esta “abstenção credora” é no Brasil agravada pelo arcabouço legal que aqui estabelece categorias de credores, alguns privilegiados, o que não torna todos iguais perante o problema, sua solução e, pior, a vontade de sua solução. Insere-se no clássico erro brasileiro de que “todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que outros”.
- Assim, todo o conjunto de atores não enxerga que deficiências financeiras, salvo raríssimas exceções, são consequência de decisões e ações de governança e de gestão e, portanto, por inquestionável lógica sistêmica, a sua solução reside em ajustes e mudanças de governança, gestão e operações.
- Aqui, é usual que os advogados e os próprios empresários ou executivos que os chamaram estruturem o que chamam de “plano de recuperação” que, na realidade, nada mais é do que um “pedido de desconto e prazo”.
- Ainda que os credores aprovem esse plano, é natural que em mais de 80% dos casos o final seja a morte empresarial, porque não se atacaram e resolveram as causas da má performance e incapacidade financeira, tanto porque não foram identificadas e mapeadas por quem sabe, quanto porque não se implementaram as ações corretivas necessárias.
Diante disso, é conceitualmente óbvio e tecnicamente claro que a solução para empresas em dificuldades financeiras e sua consequente recuperação passa, primeiro, pelo envolvimento de quem lida e conhece as dimensões de administração – finanças, pessoas, produção, venda, tecnologia, logística, estratégia, comunicação, controles – cabendo isso a uma equipe isenta, afinada, experiente e capacitada para desenhar um “plano de recuperação” que efetivamente viabilize a sobrevivência e a capacidade de pagar credores atuais e futuros.
Para isto, evidentemente, o plano deverá conter todo o elenco de medidas corretivas gerenciais, inclusive de capitalização e origem de recursos, bem como o seu necessário ordenamento.
Em sequência, esse plano tornará transparente se a recuperação poderá ser feita de forma estritamente negociada e com acordos, de forma extrajudicial ou, eventualmente, judicial, cabendo a opção ser nesta ordem de preferência. Isto significa que, tecnicamente, o “plano de recuperação” deve ser elaborado, discutido e validado com os credores, antes da opção e decisão de qual caminho seguir.
Mesmo que as variáveis e o cenário recomendem o da recuperação judicial, no ato do pedido o “plano” já está elaborado, aceito e pronto para ser implementado. Esta é a essência do processo de reversão empresarial com estatística mais positiva no exterior.
No Brasil, a própria legislação pertinente induz a um erro mortal, ao estabelecer um prazo de meses para submeter um plano de recuperação a uma assembleia de credores, a partir da formalização do “pedido de recuperação”. Desconhecem os legisladores que diante deste “pedido” o já escasso crédito desaparece, a falta de dinheiro se multiplica e a probabilidade de morte empresarial se torna exponencial.
Assim, advogados e o judiciário são obviamente parte da solução, mas não são “A” solução, que passa, necessariamente, por estes novos caminhos.
(*) – É Presidente da Orchestram – Soluções Empresariais (https://orchestrasolucoes.com.br/).