Thais Cordero (*)
A pandemia tem feito cada vez mais vítimas no Brasil. Diante da constatação do quanto a vida é perecível, cada vez mais pessoas estão buscando formas de elaborar um testamento ou mesmo um planejamento de sucessão familiar, no caso de empresários. O resultado é que, segundo levantamentos dos cartórios, a busca por esse tipo de documentação aumentou em mais de 50% em 2020.
De acordo com dados do IBGE, mais de 90% das empresas brasileiras são familiares. Contudo, mais de 70% não passam de pai para filho. Apenas 5% delas conseguem chegar até aos netos de seus fundadores. Para mudar essa realidade e aumentar a perpetuidade das empresas, é preciso fazer um cauteloso planejamento sucessório. Esse cuidado evita brigas familiares e ajuda na preservação do patrimônio, que pode perdurar por várias gerações.
Normalmente, existem dois grandes problemas que cercam esse tema: a falta de interesse dos sucessores em tomar a frente do negócio ou a falta de preparo e conhecimento para gerenciar a empresa, suas demandas e necessidades. Em ambos os casos, as consequências podem ser devastadoras se houver a insistência em nomear algum familiar para esse cargo sem as habilidades necessárias.
Por isso, é fundamental buscar a profissionalização da gestão. Muitas vezes, vemos empresas operando de formas ainda analógicas em pleno século XXI. É preciso modernizar as operações, automatizar processos e ampliar o conhecimento sobre aspectos fundamentais que determinam o sucesso ou o fracasso de um negócio.
Tendo isso em mente, é necessário identificar herdeiros que tenham conhecimentos teóricos e práticos para garantir o bom desempenho da empresa no médio e longo prazo.
É recomendável que o sucessor tenha não apenas um domínio total sobre as operações da empresa, mas também uma experiência de mercado, tendo acumulado vivências fora do espectro familiar. O conhecimento acadêmico, por meio de cursos de graduação e especialização dentro e fora do país também são importantes, especialmente para empresas com atuação internacional.
Caso não seja possível identificar nenhum herdeiro direto ou membro familiar com as habilidades necessárias, o mais recomendável é buscar um profissional no mercado. Contratar um CEO ou CFO pode ser a melhor alternativa para garantir a preservação do patrimônio da família e assim a perpetuidade dos negócios, bem como o bom funcionamento da empresa. Nesses casos, é comum que os membros da família façam parte do conselho administrativo, tendo total conhecimento da situação da empresa e a possibilidade de direcionamento das diretrizes dos negócios.
Outra opção na ausência de herdeiros interessados e preparados para assumir a gestão dos negócios é a venda total, parcial ou ainda a fusão com outra empresa, neste último caso, para maximizar os negócios. Em todos esses casos, é necessário fazer um mapeamento da situação operacional e jurídica do negócio, avaliando riscos e oportunidades, ativos e passivos a fim de se chegar a uma valoração justa para todos os envolvidos.
Tomada a decisão sobre o futuro da sociedade, é importante fazer um levantamento de todo o patrimônio, tanto dos bens do empresário quanto da sociedade. É preciso mapear aplicações financeiras, bens móveis e imóveis, participações societárias e direitos. Depois, é preciso entender a situação familiar, como o regime de casamento, a idade e engajamento dos herdeiros nos negócios familiares, entre outras particularidades. Uma vez feito o mapeamento, a melhor estrutura de organização pode ser escolhida, sendo as mais comuns: a doação, o testamento ou constituição de holding familiar.
A doação é comum para transferir imóveis, distribuir cotas ou participações societárias. Nesse caso, há necessidade de se recolher o ITCMD – Imposto de Transmissão sobre Causa Mortis e Doação. Por se tratar de um imposto estadual, a alíquota varia de um estado para outro. Outra alternativa é o testamento. Nesse documento ficam dispostas as vontades do testador, deixando claro para quem serão destinados cada um de seus bens.
Caso não haja herdeiros, o testador poderá dispor livremente da totalidade dos seus bens no testamento e fazê-lo de acordo com sua vontade, inclusive com doações a instituições de caridade. Contudo, no caso dos empresários, o mais recomendável é a constituição de uma holding familiar. Nesse caso, é constituída uma pessoa jurídica com o objetivo de resguardar a concentração do patrimônio da família.
Na holding, o patrimônio da pessoa física é transferido para a pessoa jurídica, necessitando haver a integralização do capital social, de modo que essa nova empresa tenha o controle dos bens transferidos, seja por uma pessoa ou por toda a família. Além disso, cada um terá a parte que lhe couber na sociedade, representadas pelas respectivas participações na sociedade.
Para garantir a legalidade e o cumprimento dos desejos do patriarca da família ou fundador, é imprescindível contar com apoio jurídico adequado, a fim de se evitar surpresas desagradáveis no futuro. Todas as decisões devem estar registradas em documentos que reflitam os desejos e aspirações desenhadas para o futuro evitando conflitos familiares. Esses documentos trazem toda a segurança necessária às empresas familiares, exequíveis perante bancos e credores garantindo a legalidade à operação.
Embora pareça complexo, o planejamento sucessório leva em média apenas 60 dias, variando de acordo com o nível de complexidade do patrimônio e o ramo de atuação da empresa. Esse é um cuidado que todo empresário precisa ter a fim de garantir a perpetuidade de sua empresa e, a segurança financeira de sua família.
(*) – É advogada e Líder da área societária do Marcos Martins Advogados (https://www.marcosmartins.adv.br/pt/).