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Os três eixos de transformação do líder do futuro

em Destaques
sexta-feira, 09 de outubro de 2020

A liderança do passado ficou no passado. O conceito de “líder como herói” já não funciona mais. De acordo com Andrea Iorio (*), ex-diretor do Tinder na América Latina, escritor, palestrante e empreendedor, é preciso desconstruir e construir novamente um modelo de Liderança na era digital. Ainda mais no Brasil, onde segundo uma pesquisa da Deloitte, o grau de preocupação com o tema de liderança é o mais alto do mundo.

Para que essa mudança ocorra, é preciso que o líder desenvolva novas competências e habilidades ao longo de 3 eixos de transformação na era digital: uma transformação Cognitiva, uma Comportamental e uma Emocional. Cada uma delas tem uma importância enorme e carrega consigo uma série de comportamentos que refletem essa mudança. Veja abaixo quais são elas, segundo Iorio:

  1. O líder digital pensa diferente: Transformação cognitiva – Diante das mudanças contínuas da era digital, um líder especialista e enraizado em seus conhecimentos e crenças não consegue reagir mentalmente a mudanças absorvendo a novidade – quase utilizando Mente de Principiante: essa sim te dá uma vantagem competitiva.
    Iorio se familiarizou a primeira vez com o conceito de mente de principiante lendo esse livro do Mestre Budista Shunryu Suzuki.

“A frase que mais chamou a minha atenção foi que “há muitas possibilidades na mente do iniciante, mas poucas na do perito”, diz. Isso é mais atual que nunca na era Digital, até o ponto que muitas vezes um jovem aprendiz pode tomar decisões mais assertivas focadas no comportamento do consumidor (e não apenas no produto) do que um líder C-level. Um exemplo prático é o sucesso da prática da Mentoria Reversa, em que os jovens da empresa fazem de mentores para os líderes, em temas como novos comportamentos do consumidor, hábitos da Geração Z (que hoje já representa 20% da população brasileira) e redes sociais.

Como o líder digital precisa esvaziar a mente e reaprender o tempo todo, ele precisa tolerar o risco de tomar decisões com informação incompleta – até porque se esperar ter a informação completa, pode ser que esteja demorando demais. É isso que o Jeff Bezos diz ao declarar que ele toma decisões com o máximo de 70% da informação necessária, pois se ele esperar ter 100% da informação, ele estaria tomando decisões de forma lenta demais.

  1. O líder digital age de forma diferente: Transformação comportamental – Será que o líder que fica trancado na própria sala, no andar executivo, montando estratégias e filosofando sobre o rumo da empresa e discutindo ideias apenas com colaboradores que não o contradizem, ganha o respeito das equipes e consegue de fato transformar a própria empresa?

É possível que não. O líder de hoje precisa ser mais focado na execução do que nunca. Ou seja, precisa ter uma atitude de prototipagem e execução rápida, pois no meio da transformação digital, a ideia já virou commodity, já que todos têm acesso completo à informação e a verdadeira vantagem competitiva está na capacidade de execução e de fazer ajustes a partir dos feedbacks rápidos que nascem a partir do “test and learn”.

O líder hierárquico, que delega a transformação da empresa a times isolados, normalmente trancados em laboratórios de inovação já não funciona mais: é preciso um líder colaborativo, que se envolve, que executa e que muda a estrutura organizacional em prol dessa atitude de prototipação rápida – ou seja, estruturas mais horizontais, ágeis, flexíveis e cooperativas. “Quando estava a frente do Tinder, lançamos várias funcionalidades que não vingaram e que tivemos que retirar, como por exemplo o Tinder Social, onde se podia dar Match entre grupos de pessoas, o Moments, que era um Stories no Tinder e outras.

Mas sabe por que isso foi extremamente importante? Porque ao lançar e falhar, a gente reforçava nosso foco e assertividade no que era realmente importante, como por exemplo o Tinder Passport, que através da mudança de localização, fez o pacote por assinatura disparar até fazer o Tinder virar o app que mais faturou no Brasil em 2017 e 2018″, explica Andrea. Isso nasceu de uma liderança que assumia riscos, e que estava muito próxima do negócio, dos times e até dos clientes (a ponto de Sean Rad, fundador do app, contratar para a empresa uma socióloga com quem tinha dado match no Tinder!).

3 – O líder digital reage de forma diferente: Transformação emocional – Pense na transformação digital como trocar o motor de um avião enquanto ele está voando: você não pode parar a sua empresa, mas você precisa mudar processos, estratégias e cultura. Como fazer isso ao mesmo tempo? E como não ficar paralisado pelo medo, pois o avião inicialmente pode despencar, mas também pode voar mais alto.

É importante que o líder digital tenha um alto grau de tolerância a risco, e enorme resiliência: ele tem que saber segurar a barra do “avião despencando”, manter a calma, e ainda inspirar os colaboradores para trabalharem juntos em direção de uma visão clara.

Ao mesmo tempo, essa tolerância a ambiguidade é necessária em um cenário que muda o tempo todo e onde o líder caminha como em uma escada, subindo até a visão de longo prazo, mas onde uma neblina permite ver apenas até um ou dois degraus na frente: ele não necessariamente conseguirá antecipar ou prever as mudanças no mercado, mas tem que ter a resiliência de reagir diante delas.

O líder de hoje também não precisa mais necessariamente ter um alto QI, ou ser o mais inteligente, mas precisa ter um alto quociente emocional, ou seja, demonstrar as características da Inteligência Emocional (que o psicólogo Daniel Goleman definiu no próprio livro), entre as quais a empatia e o autoconhecimento. Por que isso é tão importante, paradoxalmente, no meio da transformação digital? Porque se o líder apenas tomar decisões frias, distantes e não souber lidar com pessoas, logo menos será substituído por um robô.

“Para se ter sucesso, uma pessoa precisa de um alto Quociente Emocional. Para não perdê-lo rapidamente, ela precisa de um alto Quociente Intelectual. E, para ser respeitado, você precisa de um alto Quociente do Amor”. Essa frase do Jack Ma, o fundador do Alibaba, fala da importância do Quociente Emocional.

De fato, somente após se desenvolver ao longo desses 3 eixos é que é possível para o líder conseguir transformar a própria empresa e fazer com que ela cresça no cenário de transformação digital. E mais do que apenas desenvolver essas novas competências, é importante ficar atento em não entrar em uma rotina repetitiva de tomar as decisões igual ao passado. Se perceber que está criando crenças novamente, dê um passo atrás e as desafie.

“Para mim, esse processo de desenvolvimento, por mais exaustivo que tenha sido, foi muito desafiador e fascinante. A minha primeira posição de liderança foi no Groupon, ainda bastante novo, aos 25 anos, quando me juntei à empresa como gerente comercial em Belo Horizonte. Na época eu tinha uma equipe de em torno de 12 executivos de vendas. E eu tinha zero preparo para isso.

Na época, eu não tinha nenhuma experiência na área comercial, nem em liderança e gestão de pessoas. Imagine meus primeiros meses! Quantos fracassos ao tentar aplicar o que aprendi na Bocconi, faculdade de administração que fiz na Itália, ou que eu lia nos livros tradicionais de liderança. Apenas me mostrando vulnerável, movido a execução, e cooperativo, que consegui crescer como líder dentro da empresa”, comenta Andrea.

Pense novamente na metáfora do avião: o processo de transformação digital não é nada diferente do que isso. É preciso que os times trabalhem em conjunto para concretizar essa visão e fazer o avião voar em áreas ainda mais altas, metaforicamente “trocando o motor” da companhia através da transformação digital.
“Vivi isso no meu desafio na L’Oréal, ao perceber que ainda mais do que um desafio ferramental, ou tecnológico, de transformação digital, o principal traço da liderança necessária nessa transição era cultural, comportamental, ao final, muito humano”, diz.

E sobre o líder que consegue levar esse processo para frente? É o líder que pensa, age e reage da forma que o mundo digital pede. E você: é um desses, ou quer ser um deles?

(*) – É escritor e palestrante, graduado em Economia pela Universidade Bocconi, em Milão, com Mestrado em Relações Internacionais pela Universidade Johns Hopkins, em Washington. Autor de “6 competências para surfar na Transformação Digital” e “O Futuro não é mais como antigamente”, também é co-fundador do aplicativo de edição de vídeos, Filmr, e fundador da ONG Apps do Bem.