Ricardo Corrêa (*)
Nas últimas semanas, temos visto muitas notícias e publicações sobre downturn e layoffs em algumas startups brasileiras. Em diversos grupos de startups, circulam memorandos de fundos e aceleradoras que buscam orientar seus portfólios e cotistas sobre como atuar no momento atual em uma linguagem mais técnica.
Porém, quem empreende fora da “bolha de venture capital”, assim como as lideranças e times das empresas, apenas acabam vendo a consequência deste cenário negativo, mas tem pouca visibilidade sobre o que está por trás de tudo isso.
Iniciada a partir do momento em que os órgãos governamentais de todo o mundo começaram a elevar a taxa básica de juros, para conter a pressão inflacionária, essa atual crise diminuiu a atratividade de investimentos de risco e possibilitou que a renda fixa voltasse a ganhar holofote. Com isso, Bolsa, fundos de investimento e startups foram todos igualmente afetados.
A consequência imediata desse aperto monetário é que as empresas de capital aberto – em especial as de tecnologia que tinham seus múltiplos alavancados – acabaram sofrendo uma queda do seu valuation. Já o venture capital, mesmo investindo em empresas de capital fechado, acabou acompanhando o movimento do mercado financeiro por algumas razões.
A principal delas é que as startups investidas podem, em algum momento, decidir fazer um IPO ou serem vendidas para uma companhia listada em Bolsa. Outra situação frequente é que os cotistas dos fundos tendem a direcionar menos investimentos para capital de risco, uma vez que outras alternativas menos arrojadas passam a compensar mais.
Toda essa bola de neve gerou reflexos diretos nos empregos. Ou seja, as startups que vinham contratando desenfreadamente, pagando salários acima da média do mercado e muitas vezes direcionando recursos para iniciativas com pouco indício de resultados no curto e médio prazo, tiveram que rever as estratégias drasticamente.
Ao invés de manter a queima de caixa e correr o risco de ter uma avaliação mais baixa em relação à rodada anterior ou até mesmo ameaçar a sua sobrevivência, a maioria delas decidiram aumentar seu runway – que é o período em que a startup suporta queimar caixa até a próxima rodada.
Dessa forma, essas startups têm um período mais extenso para atingir o crescimento necessário até o próximo aporte ou contar com a recuperação da indústria ao longo do tempo. Por conta de tudo isso, infelizmente, as demissões acabaram sendo a maneira mais rápida – em alguns casos, a única – de aumentar esse runway e evitar que uma quantidade ainda maior de profissionais pudessem ser afetados no futuro.
Como fundador de uma startup, sou um dos primeiros pára-choques a sentir as mudanças de direção no mercado e, portanto, consigo enxergar o assunto de variadas perspectivas.
Tendo a oportunidade de trocar experiências com outros founders e de permear nos mesmos ambientes dos investidores – que não necessariamente vivem nos “corredores das empresas” -, e dos colaboradores – que desconhecem todos os meandros do mundo de capital de risco -, entendo que este cenário atual não seja o primeiro, nem o último ciclo de aperto no ecossistema de inovação e tecnologia.
A grande lição desse cenário é de que é possível explorar momentos de alta para alavancar negócios – como muitas startups fizeram – mas as lideranças não podem se deixar levar totalmente pela euforia. Acelerar o crescimento por meio de venture capital é saudável desde que o negócio não deixe de seguir entregando valor e crescer majoritariamente a partir da receita gerada pelos clientes.
Avalio também que daqui em diante as lideranças das startups precisam se empenhar em construir uma cultura interna forte e buscar eficiência operacional, por meio do estabelecimento de métricas viáveis, para que o crescimento seja mais perene.
Fundar, investir ou trabalhar em uma empresa com essas características pode representar um caminho mais longo e menos glamouroso, mas a história recente tem mostrado que esse processo muitas vezes pode ser mais eficiente.
Vale ressaltar que essa não é uma posição anti-venture capital, uma vez que acredito bastante no efeito benéfico desse tipo de investimento para acelerar inovação e aquecer a economia, desde que feito de forma responsável, tanto por quem aloca (fundos) quanto por quem aplica (startups).
Apesar dos pesares, também observo muitos efeitos positivos gerados durante o período de alta que passamos nesses últimos dois anos. O primeiro é que a indústria brasileira de startups e venture capital foram validadas e maturadas. Conseguimos mostrar para o mundo que somos competitivos e também colaboramos com a digitalização dos processos de inúmeras empresas e carreiras.
Além disso, novos negócios e empregos surgiram e vão continuar emergindo. A verdade é que estamos apenas no início da formação do ecossistema. As notícias boas não devem tardar.
(*) – É sócio-fundador e CEO da Ramper, startup criadora da principal plataforma de prospecção e engajamento de leads (www.ramper.com.br).