Bruno Rondani (*)
Em 2022, houve uma grande retração global da atividade do Venture Capital. No início deste ano, um símbolo emblemático da crise do Venture Capital foi a falência do Silicon Valley Bank. Essa crise foi imediatamente sentida aqui no Brasil. Segundo dados da Sling Hub, os aportes em empreendimentos nacionais caíram pela metade em 2022, passando dos US$ 10,5 bilhões registrados em 2021 para US$ 5,2 bilhões. Em 2023, o primeiro trimestre apresentou uma queda de 86% se comparado ao mesmo período do ano anterior, de acordo com dados do Distrito.
Ao longo de 2022, não tivemos nenhum IPO (Initial Public Offering) no setor de tecnologia e, embora algumas startups tenham se consolidado no mercado, isso ocorreu em um ritmo bem longe do esperado. Olhando para 2023, com um início de ano turbulento no mercado de capitais e grande retração no valor de mercado das empresas de tecnologia, também não podemos esperar IPOs dessa natureza.
Dados divulgados recentemente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) indicam que a arrecadação de recursos para Equity crowdfunding cresceu 61%, em 2022, passando de R$ 130 milhões, em 2021, para R$ 210 milhões no último ano. O crescimento pode parecer chamativo, mas é preciso destacar que o volume ainda é bastante baixo como alternativa impactante para o ecossistema. Vale lembrar que a expectativa de crescimento dessa modalidade era muito mais significativa. Como exemplo, a Captable, plataforma líder do segmento, captou, em 2021, R$ 49 milhões e, em 2022, caiu para R$ 28 milhões, sendo que, no início daquele ano, anunciou uma projeção de R$ 250 milhões.
Muitos têm apontado o Corporate Venture Capital (CVC) como um potencial mecanismo de sustentação do mercado de startups. A ABVCap considera que 2022 foi um bom ano para o mercado de CVC, indo na contramão do mercado do investimento em startups. Os analistas destacam que houve um aumento de interesse das empresas por este tipo de negócio, sendo que 13 companhias listadas na Bolsa de Valores lançaram seus próprios fundos, somando mais de R$ 3 bilhões em capital para investimentos. Dentre os nomes que movimentaram – e estão movimentando – esse cenário, estão TOTVS, Locaweb, Anima, B3, Suzano e Vivo. A expectativa é que 150 empresas façam investimentos diretos em startups brasileiras.
Ocorre que, na prática, a atividade de Corporate Venture Capital está ainda ganhando tração, e esses recursos têm previsão de aplicação no longo prazo, e não necessariamente em 2023.
Mas o que de fato vai sustentar o mercado das startups?
Segundo a nossa avaliação, são três fatores centrais: o foco das startups em buscar a sustentabilidade de seus modelos de negócios em um mercado com menos acesso a capital, a consolidação de startups a partir de processos de M&A e a adoção de modelos de financiamento por meio de parcerias de Open Innovation entre startups e empresas maduras.
A lei que está ditando a gestão dos modelos de negócios das startups em 2023 é rentabilizar, é ter sustentabilidade financeira. Esse foco é uma ação direta para reverter a drástica situação em que os empreendimentos ficaram nos últimos anos. Os layoffs, por exemplo, vieram como uma correção para a geração de receita.
O mercado de startups passa, portanto, por um ajuste de rota positivo, que prega resultados. Esse ajuste engloba negócios de todos os portes, como a Creditas, que, após reportar novo prejuízo de R$ 209 milhões no quarto trimestre de 2002, anunciou um plano que visa torná-la lucrativa no terceiro trimestre de 2023 e buscar IPO talvez ainda neste ano. Na mesma linha, praticamente todas as startups unicórnio também estão com planos de apresentar lucros, após um período de ajustes e demissões.
A Loft, é mais um exemplo. A startup conquistou status de unicórnio em tempo recorde, mas após chegar a 2600 colaboradores, precisou fazer quatro rodadas de demissões. Os cortes fizeram parte de um novo plano de rentabilização, que visa um equilíbrio operacional.
Outro unicórnio, a Facily, exemplifica um cenário mais drástico da crise. A startups diminuiu em 90% o número de funcionários. A “quase quebra” da startup veio após a companhia levantar US$ 385 milhões, em 2021. A Facily fechou o ano, após a captação, atrás apenas da Nubank e QuintoAndar. Com o caixa cheio, a startup iniciou um plano de contratação. Com a crise, as contratações se revestiram em demissões em massa, os cortes atingiram até os fornecedores. Agora, a startup está em recuperação, construindo um novo planejamento para crescimento e sustentação financeira, que engloba, ainda, melhorias na ferramenta.
Com a crise de capital, muitas startups postergaram a meta de se tornar unicórnios e têm buscado no M&A o seu caminho para dar continuidade aos seus negócios. Empreendedores estão buscando parcerias com outras startups, com médias e grandes empresas. O early exit passa a ser uma estratégia cada vez mais procurada. Em alguns exemplos recentes, a Vuxx passa a integrar Box Delivery, a Pulses agora faz parte da Gupy, a Comprovei foi adquirida pela Nstech, a Witseed acabou de ser comprada pela Exame, casos que ilustram como M&A está em alta.
Esse momento de alto custo de capital também tem efeito em muitas corporações de capital intensivo, que passam a ver, na inovação aberta e relacionamento com startups, uma forma de otimizarem seus processos e reduzirem custos, sem perder competitividade. Para essas corporações, a percepção de risco em contratar startups inibia muitas oportunidades. Hoje, com dados que comprovam a maturidade das startups somada à demanda por inovação, o resultado é o crescimento da prática a cada ano.
Segundo dados do Ranking 100 Open Startups, a projeção de transações financeiras entre startups e corporações neste ano é de R$ 5 bilhões. Em 2022, eram R$ 2,7 bilhões e no ano anterior, R$ 1,7 bilhões. Ano a ano, a projeção escala de forma exponencial. Todo esse crescimento é visto também em outras métricas que medem o desempenho da prática de open innovation no Brasil.
Em 2021, 3.424 empresas contrataram startups, já em 2022 foram 4.449. E a projeção para 2023 é que 7 mil empresas irão firmar relacionamentos de open innovation com startups. Esses indicadores demonstram que a estratégia de open innovation virou ponto central para as corporações e que as startups estão sendo cada vez mais priorizadas como fornecedores inovadores, renovando suas cadeias de valor.
Não há crise para quem busca, na inovação, a validação de soluções e ideias por meio de processos colaborativos. A retomada de investimentos acontecerá, mas com novas regras e com atores mais bem preparados e abertos. Pois, a crise ensinou o valor do ecossistema de inovação para a sustentação dos negócios.
Quem vive o ecossistema de inovação já percebe os efeitos positivos dessa correção de rota. Os eventos de inovação voltaram com tudo e atingiram um patamar recorde, com diversos eventos e festivais com mais de 10.000 participantes, como o South Summit Brazil, Web Summit, Gramado Summit, Startup Summit, Rio Innovation Week e a Open Innovation Week, que comemorará, em outubro desde ano, 15 anos de open innovation no Brasil.
Esses eventos estão reunindo milhares de empreendedores e demais agentes do ecossistema. As conversas e debates que estão permeando esses encontros reforçam a premissa: a colaboração é a chave para um crescimento sadio e sustentável, seja para o negócio que for.
(*) É CEO e fundador da 100 Open Startups