Gastão Mattos (*)
Entre os efeitos causados pela pandemia, o uso de papel moeda tornou-se alvo de grandes mudanças, já que o dinheiro é algo que circula de mão em mão, o que contraria os princípios ideais de higiene, fundamentais para a prevenção do novo coronavírus.
Segundo levantamento do Instituto Locomotiva, antes do surto da Covid-19, as transações diárias em espécie ocorriam por 70% da população brasileira e, agora, o aumento de pagamentos online, por transações sem contato, tecnologia NFC (“near field communication”) e uso das carteiras digitais, têm sido o principal meio de negociações.
Assim como ocorreu o processo da transformação digital urgente, o uso do dinheiro convencional também tem passado por uma mudança radical para o sistema digital e que tende a perdurar depois que acabar esse cenário de crise. Como exemplo, a consultoria Bain & Company fez uma pesquisa com mais de 2 mil consumidores brasileiros em abril e o resultado apontou que 48% estão predispostos a mudar sua forma de pagar depois da pandemia, principalmente por meio de celulares e cartões.
A pandemia não é a única responsável pela realização maciça de pagamentos digitais. As inovações tecnológicas têm cooperado bastante para essa transformação. A digitalização nos últimos anos, que envolve sites, aplicativos e no próprio setor financeiro, trouxe uma mudança no modo de consumo, colocando em discussão à existência de moedas e cédulas como formas de pagamento. Outro motivo para a adoção da digitalização é o custo para a produção do dinheiro em espécie.
No Brasil, por exemplo, a produção de mil cédulas de R$ 100, realizadas pela Casa da Moeda, chegaria a um gasto de R$ 299,31, conforme dados publicados em março, no site do Banco Central, sendo que o orçamento também inclui despesas com segurança e logística. A impressão de moedas e cédulas tem sido muito debatida nesse período de pandemia e alguns especialistas defendem que manter esse custo adicional causará consequências, prejudicando até mesmo a retomada econômica da nação.
Diante do acalorado debate sobre a moeda, o Brasil tem apresentado boa assimilação no uso dos pagamentos digitais. Segundo levamento realizado pelo IDC, simultaneamente no Brasil, Colômbia e México, 61% dos entrevistados brasileiros apontaram que preferem o uso digital, 62% os mexicanos e 52% os colombianos. Já a utilização dos serviços financeiros sem local físico, o Brasil lidera com 56% de interesse, México 34% e Colômbia 30%.
Apesar da aparência de cenário favorável à utilização da digitalização financeira, o Brasil possui ainda muitos problemas básicos para obter esse modelo de serviço. Para começar, temos o ainda existente nível preocupante de bancarização no país, onde 43 milhões de pessoas não possuem contas bancárias. Um exemplo recente sobre a bancarização brasileira pode ser visto pelos dados da Caixa, ao indicar que cerca de 40% dos brasileiros (24 milhões de pessoas) que estão recebendo o auxílio emergencial de R$ 600, não possuíam nenhuma conta em banco antes da pandemia do novo coronavírus.
Esse percentual indicou as dificuldades das pessoas de terem acesso aos serviços do governo federal, já que não tinham como receber o aporte. Junto à questão da bancarização, ainda presenciamos que existem dificuldades e limitações de acesso à internet no Brasil. O mapeamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), realizado em outubro de 2019, mostra uma desigualdade de acesso em relação ao nível social dos cidadãos.
O estudo indica que o uso da rede digital é acima de 90% nos lares mais abastados, enquanto 48% das residências das classes D e E desfrutam desses serviços. Hoje, são 67% o total de residências conectadas e no ranking de 100 países, o Brasil aparece em 31º lugar. Em resumo, os dois exemplos dos desafios de bancarização e inclusão digital precisam ser eliminados, já que são serviços essenciais para a adoção do uso das negociações digitais no Brasil.
Por outro lado, como auxílio para a transformação digital financeira, empresas de diversos setores, como inovação, financeira e segurança da informação têm desenvolvido soluções que proporcionam transações monetárias digitalmente com mais simplicidade e segurança. São projetos que visam garantir os serviços de negociações e transações monetárias com total confiabilidade, podendo ser realizado do próprio celular das pessoas.
Vale lembrar que, hoje, seis em cada dez brasileiros das classes A, B e C utilizam meios digitais de pagamentos, como aplicativos próprios (PayPal, PagSeguro e Google Pay), canais de pagamento de contas, além de compras e transação pela Internet. O brasileiro é o que mais utiliza smartphones na América Latina para realizar suas atividades financeiras (24,3%), segundo o IDC. Por isso, que é preciso ampliar o incentivo aos projetos tecnológicos, para aumentar ainda mais o número de atividades financeiras digitais, porque queremos um país em que todas as classes sociais tenham acesso a esses serviços.
A pandemia deu um forte empurrão para transformar o comportamento do indivíduo em relação ao consumo e na maneira de pagar. Os cuidados com a saúde estão no topo das exigências na hora de adquirir algo e o dinheiro físico, hoje, não está vinculado a esses quesitos. A tecnologia para as atividades financeiras são as melhores opções para esse momento e depois que a tempestade passar.
No entanto, a moeda em espécie não será totalmente eliminada do cotidiano das pessoas em pouco tempo, já que envolvem questões sociais e estruturais em muitos países. Mas, a digitalização monetária tem causado um impacto no mundo, com um processo mais rápido e que traz como benefícios facilidade, rapidez e, acima de tudo, segurança de utilização.
Hoje, o meio digital é uma prova essencial para a inclusão social ao sistema financeiro e, principalmente, base de apoio na melhoria econômica, com um modelo que tende a perdurar com mais ênfase no pós-pandemia.
(*) – Bacharel em Engenharia, com pós em Engenharia de Produção, ambas pela Poli/USP, é líder da IDid – plataforma que possibilita compras com ‘cartão não presente’ nas modalidades débito e crédito (http://useidid.com/).