75 views 12 mins

Meios de pagamento precisam se adaptar ao figital

em Destaques
terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Gastão Mattos (*)

Podemos dizer que o ano de 2021 foi de transição para o mercado de pagamentos, e o que se observou nesse período servirá de base para as estratégias de negócio adotadas daqui por diante. Notamos um aumento de demanda para aprofundar o entendimento do transacional online e das vendas não presenciais, bem como tendências evolutivas desse segmento para os próximos anos, caso da consolidação do figital — modelo das operações híbridas dos meios físico e digital.

Se, em 2020, com o efeito do confinamento, boa parte do comércio físico esteve fechada, impulsionando as vendas remotas, esse cenário não se repetiu em 2021; porém, o hábito de compras à distância permaneceu. Temos uma nova acomodação de comportamentos e atitudes no mercado, que precisa ser interpretada pelos agentes atuantes na vertical de pagamentos.

Considerando como referência o ano de 2019 — o último antes da pandemia –, 2021 trouxe aspectos positivos de transformação, comparado ao crítico 2020. A economia se recupera, mesmo que parcialmente, mas com um novo perfil para o consumo.

Em 2019, 5,7% das compras de pessoas físicas no Brasil se davam através do comércio eletrônico. No ano passado, 12,4% do consumo privado ocorreram de forma online. Na análise do volume financeiro movimentado por cartões de pagamento, percebemos que o percentual do que foi transacionado de forma não presencial saltou de 17% para mais de 21% em dois anos.

Os meios utilizados pelos consumidores no momento de pagar por suas aquisições também sofreram o impacto das mudanças. No caso, a grande novidade foi a evolução do PIX. Sua representatividade no volume financeiro transacionado em comércios com perfil de aceitação de meios eletrônicos aumentou significativamente ao longo do ano passado e deve seguir em viés de alta em 2022.

A escalada dessa nova forma de pagar também foi percebida no e-commerce. Nas maiores lojas online brasileiras, a aceitação da modalidade triplicou entre janeiro e dezembro, de acordo com estudos da Gmattos. Muitas, inclusive, passaram a oferecer algum tipo de benefício para que o consumidor pagasse via PIX (frete grátis ou descontos que chegavam a mais de 10%).

As estratégias de fidelização deixaram de ser uma prerrogativa de lojas de marca. Hoje, qualquer comércio oferece descontos para a próxima compra, usando mecanismos tão simples como envio de cupom de desconto por SMS ou WhatsApp.

Programas complexos de fidelidade (horizontais, normalmente ligados a emissores) ou mais simples e verticais (particulares loja a loja) convivem de maneira sobreposta, sem conflito de atuação, em benefício do consumidor, que, por exemplo, pode ganhar um cashback da AME digital, pagando com cartão Black do seu banco, pontuando também no programa de fidelidade deste banco.

Existe margem para a proliferação de múltiplos programas gerando benefícios reais ao cliente. Isso acontece porque a motivação pela “próxima compra” justifica o investimento na fidelização. No comércio eletrônico, o custo de aquisição de um novo comprador pode alcançar de 10% a 15% do valor da receita. Então, a oferta de um benefício como o cashback, ou outros mecanismos incentivadores, para que o consumidor retorne sem outros custos de aquisição, pode ser altamente compensadora.

. Alta tecnologia x informalidade – No mundo físico, o PIX foi embarcado rapidamente nas lojas menores, permitindo, em muitos casos, uma venda eletrônica sem a necessidade de terminais POS. Essa prática estabeleceu um paradoxo entre a grande informalidade no recebimento pelo lojista e a alta tecnologia da autenticação e liquidação instantânea no lado consumidor.

A ausência de taxas para transferência entre CPFs gera um real benefício para o vendedor “informal”, que recebe em sua conta pessoa física o valor da transação.
Contudo, dada a característica de pagamento instantâneo, o encaixe do PIX é maior para compras de menor valor, substituindo com vantagens para lojistas e consumidores o uso de dinheiro, cheque ou cartões de débito.

A prevista nova funcionalidade do PIX Parcelado pode mudar esse perfil de uso para o de alternativa aos cartões de crédito, embora sua implementação seja bem mais complexa do que aquela concretizada até o momento. A perspectiva do lançamento da funcionalidade PIX Parcelado é um grande foco de atenção do mercado em 2022.

O ano de 2021 foi de aprendizado e acomodação no checkout, com implicações em outras formas de recebimento. Muitas das jardas conquistadas pelo PIX em seu avanço nas lojas online foram tomadas do débito (bandeira e banco). A previsão inicial de que o PIX substituiria o boleto, considerado um meio arcaico para transações online, não se efetivou. O impacto predatório aconteceu sobre os cartões de débito.

Os últimos estudos identificaram que, no final do ano passado, das lojas online que aceitavam PIX — quase 60% do total –, 83% também aceitavam boletos, ao passo que apenas 40% trabalhavam com algum tipo de débito. A conversão superior (2 a 3 vezes maior que aquela observada para cartões de débito) e a alta penetração do PIX entre os clientes com cartão de débito são os drivers dessa tendência.

Outro que tem crescido de forma exponencial é o pagamento sem contato, seja através de wallets ou com cartões de aproximação, inicialmente favorecido pelo receio da população pela contaminação em situação de pandemia. Esse impulso teve efeitos duradouros, de forma que, mesmo após o período pandêmico mais severo, seu hábito permanece.

. Aprovação de crédito veloz – Por sinal, o consumo não presencial continuará ganhando participação nos pagamentos eletrônicos, e demandas como a aquisição instantânea de meios de pagamento (emissão instantânea) ganharão projeção. Para isso, os emissores precisarão aprovar crédito em tempo recorde, com a mínima fricção com o cliente.

O “Buy Now – Pay Later (BNPL)” precisará ser tratado com novas soluções de aprovação de crédito e parcelamento inteligente para o consumidor, algo menos “vala comum” como o “parcelado sem juros” dos cartões de crédito. Entendo que a competição com o preço como motivador já está saturada. É preciso diferenciar a oferta, agregando novos serviços e funcionalidades na relação do adquirente com o lojista, muito além da conectividade da autorização de pagamento, que virou commodity.

Nesse cenário em que o cliente dá as cartas, o open banking desponta para favorecer o aumento de competitividade, além de permitir a entrada de novos players nesse “jogo”. Entendo que ele traga uma facilidade operacional para migrar entre serviços bancários, mas desde que o consumidor perceba vantagens reais nessa mudança.

Superficialmente, o motivador da migração pode ser o preço, mas existe espaço para fatores mais abrangentes como funcionalidades inovadoras buscando atender a novas demandas do consumo moderno. Temas como “Buy Now — Pay Later”, segurança, usabilidade e privacidade são focos potenciais para essas novas funcionalidades. Na busca por alternativas, só é preciso tomar cuidado com os critérios de disseminação de alguns conceitos.

O de banco digital, por exemplo. Seria um banco que oferece forma de relacionamento via app com o seu cliente? Parece muito pouco. Acredito que o termo deva caracterizar um novo nível de serviço bancário em que os canais de atendimento sejam integrados e permitam uma relação entre o banco e o cliente, seja transacional ou qualquer outro tipo de demanda com resposta imediata e precisa. Estes canais precisam ser múltiplos, desde o app mencionado, mas não restrito a ele, incluindo plataformas de mídias sociais, e mesmo as tradicionais como agências e telefone.

A usabilidade da experiência em cada canal ganhou status tão relevante quanto a segurança e privacidade na relação do cliente com o banco. A designação banco digital tem a ver com a premissa do uso de tecnologia de ponta para viabilizar uma oferta de serviços com as características mencionadas.

Embora todos os bancos se autoqualifiquem como digitais, entendo que muitos gaps ainda precisam ser tratados, tanto de novos bancos como de outros, tradicionais, para que o status digital seja plenamente atingido. Acredito que esse continuará a ser o foco dos bancos (digitais) para os próximos anos.

Conforme ressaltei antes, vivenciamos um período de ajustes, marcado ainda por muitas dúvidas, mas já com a sedimentação de algumas certezas. A principal delas é a de que todos os caminhos, físicos ou virtuais, devem buscar, mais do que nunca, o mesmo destino: o da satisfação de um consumidor cada vez mais exigente.

Os recursos tecnológicos disponíveis para essa jornada é que vão ditar o ritmo dos avanços.

(*) – Com experiência de mais de 30 anos na indústria de pagamentos eletrônicos, é CEO da GMATTOS, empresa especializada em e-commerce, com foco em pagamentos e atual conselheiro da Câmara Brasileira de Economia Digital (https://gmattos.com.br/).